CONSELHO DE ESTÁDIO «Queremos alguém da arbitragem na Direção da FPF»
Luciano Gonçalves, presidente há oito anos da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF), esteve no Conselho de Estádio, onde deu nota das insuficiências que ainda marcam um setor sem estatuto de carreira, e avançou com planos para um futuro onde quer ver a arbitragem representada na Direção da FPF, após as eleições que terão lugar até ao fim do ano.
VÍTOR SERPA (VS) - O futebol vai de férias, exceção feita ao Campeonato da Europa, estamos pois num momento propício para balanços. Como é que a APAF viu a época de 2023/24? As pessoas ficaram com a ideia de que há melhores árbitros, houve menos casos, ou nem por isso?
LUCIANO GONÇALVES - Terminámos a temporada com a sensação de que ainda temos muito trabalho para fazer. Não foi uma época com mais casos do que as anteriores, mas foi desafiante. Fiquei muito satisfeito pelo facto dos nossos árbitros terem sido mais vezes chamados para competições internacionais.
JOSÉ MANUEL DELGADO (JMD) - Mas são os próprios árbitros a dizer que é muito mais fácil arbitrar lá fora do que cá dentro…
- Os jogadores são diferentes, o que torna o futebol diferente. Temos o exemplo da parceria que o Conselho de Arbitragem da FPF fez com os árbitros franceses: quando eles vieram arbitrar a Portugal, a média de faltas de cada um aumentou; os nossos árbitros foram arbitrar lá fora, e a média de faltas diminuiu. Há muita pedagogia a fazer junto de treinadores, jogadores e dirigentes.
JMD - Há ainda o problema, nas competições internas, da bagagem que cada árbitro transporta consigo. Há quem se lembre, e faça lembrar, que há 10 anos determinado árbitro fez isto, há 8 anos fez aquilo, o que complica a situação. Se calhar, no futuro, vamos ter uma bolsa de árbitros internacionais que vão arbitrar nos campeonatos nacionais. Em Portugal, na área do futebol, ainda se vive um ambiente tóxico, ou sente que melhorou?
- Sinceramente sinto que tem vindo a melhorar. Existiram, pontualmente, dois ou três focos de tensão durante a época, mas temos tido um ambiente melhor, que é possível continuar a melhorar. Enquanto não chegarmos, daqui a alguns anos, a uma arbitragem que não seja humana, teremos sempre falhas…
VS - Mas o ambiente tóxico, a maior parte das vezes, é vivido não no jogo, mas no pré-jogo e no pós-jogo. Terem vindo comentar para os jornais e televisões, ex-árbitros consagrados, humanizou um pouco a situação?
- De uma forma geral, sim. Mas há duas vias. Temos ex-árbitros a comentarem de forma pedagógica, acrescentando valor, que explicam, sem qualquer problema, porque é que o árbitro decidiu de uma forma ou de outra ; e depois existe outro tipo de ex-árbitros comentadores, que não fazem qualquer pedagogia revelam até, em certos momentos, algum azedume derivado da forma como saíram da arbitragem, e que não acrescentam nada. Há um pouco de azia, quer pela forma como saíram, ou até, se calhar, pela maneira incorreta como a própria arbitragem não os aproveitou, que faz com que não assumam um papel positivo.
JMD - O VAR veio facilitar a vida aos árbitros, ou veio expor fragilidades?
- Sou um grande defensor do VAR. Veio ajudar, e muito, a eliminar os erros graves. Porém, tentámos acelerar processos, e quando o VAR foi introduzido passou a ideia de que os erros na arbitragem iam acabar. O VAR não tem esse fim, trata-se de uma ferramenta, que ainda está fechada em muitos aspetos, e que também deve evoluir. Vejam o caso do Artur Soares Dias, que tem 30 anos de arbitragem e andou 25 a arbitrar sem VAR. Nos últimos 5 anos disseram-lhe que quando tivesse dúvidas tinha de esperar um bocadinho. Isto são processos que demoram tempo a incorporar. Mas os árbitros estão muito satisfeitos com o VAR...
VS - O fora de jogo, por exemplo, foi um problema que ficou resolvido, vamos ter tecnologia para saber se a bola entrou, o problema da falta ter sido dentro ou fora da grande área também praticamente desapareceu, e cada vez mais fica só para o árbitro a parte da intensidade dos contactos…
- Gostava, sendo irónico, de ver a inteligência artificial a resolver o problema das intensidades….
VS - Admite a hipótese de haver uma carreira autónoma para os vídeo-árbitros?
- Será uma questão de tempo e há que perceber isso com naturalidade. Nem todos os árbitros de excelência, podem vir a ser tão bons no VAR, e vice-versa.
JMD - Temos o caso do Tiago Martins, que é um dos melhores vídeo-árbitros do mundo, e não é, nem lá perto, um dos melhores árbitros do mundo.
- Não é por acaso que o Tiago estará na final de uma competição europeia e vai marcar presença no Campeonato da Europa. E temos outros árbitros que a nível internacional estão a fazer grandes carreiras de VAR.
JMD - Cá ainda são colocados os centímetros, lá fora apenas aparecem zonas sombreadas…
- Se nós temos técnicos de imagem, e os próprios vídeo-árbitros, temos que acreditar no processo.
A CARREIRA DE ÁRBITRO
VS - Há uma questão importante, a que a APAF estará seguramente atenta. A carreira de árbitro não existe e isso é um problema gravíssimo para o setor, especialmente quando têm de ir à procura de novos elementos, a quem dizem que a qualquer altura pode correr mal e têm de mudar de vida….
- Há dois temas que acabam por condicionar muito o futuro da arbitragem. O primeiro tem a ver com a segurança, na base, no início da carreira. E a segunda passa por termos árbitros que são falsos profissionais. Este é um problema com que nos debatemos há muitos anos e pouco ou nada temos conseguido fazer. E eu também faço mea culpa, porque estou há oito anos como presidente da APAF. Como é que nós, num futebol cada vez mais profissional, ainda continuamos a ter árbitros e árbitros assistentes que acabam por ter de pedir ao patrão, por exemplo à quinta-feira, para irem fazer um jogo? Ou que têm de andar a tirar dias de férias... Isto não pode acontecer no futebol profissional. O Conselho de Arbitragem também quer que eles estejam sempre disponíveis um dia antes, com tempo para se poderem focar no jogo. Mas esta questão de fundo desfoca-os.
JMD - Ou seja, existe uma atividade que pode acabar momento para outro, basta uma época má, mas que leva alguns árbitros a abdicarem da sua profissão…
- Sim, há uma série deles que se despediram. E há outra questão, a dos árbitros mais jovens, que acabaram o ensino superior, e decidiram não entrar no mercado de trabalho para se poderem focar na arbitragem. E mesmo que andem no setor muitos anos, quando chegarem aos 45 anos, vão-se embora. E fazem o quê?
VS - O que é que APAF defende? O profissionalismo para os árbitros das competições profissionais?
- Eu defendo, a nível de profissionalismo, duas vias. Em primeiro lugar é preciso criar a atividade de árbitro, também válida para as restantes modalidades, porque não podemos achar que o futebol está no centro do mundo. A verdade é que, qualquer árbitro é pago a recibo verde, como prestador de serviços, sem atividade profissional discriminada. E podia existir um benefício fiscal. Na minha opinião devia haver um modelo, atendendo ao desgaste rápido, muito idêntico ao dos bombeiros, que estão divididos entre voluntários e profissionais. E os árbitros profissionais deviam ter uma carreira contributiva justa, com direitos e deveres. Mas não podemos esquecer os árbitros voluntários, que mereciam benefícios fiscais, porque efetivamente no Distritais, - e não nos podemos esquecer disto - acabam por desempenhar um papel social muito relevante, face a milhares e milhares de jovens que aí praticam futebol. O mesmo deve dizer-se daqueles que arbitram os escalões jovens.
O RECRUTAMENTO DOS ÁRBITROS
JMD - Quantos jogos por fim de semana é que esses árbitros fazem?
- Temos árbitros nos Distritais que fazem sete a oito jogos por fim de semana. O que significa que se não tivermos algum cuidado, se não for feito muito trabalho Conselho de Arbitragem da Federação, pela APAF e pelos Conselhos de Arbitragem dos distritais, corremos sérios riscos, a curto, médio prazo. Reparem: se a FPF, e Deus queira que sim, conseguir atingir a meta dos 400 mil praticantes, se nós com os atuais 200 mil já temos falta de árbitros, quando atingirmos esses 400 mil, quantos jogos é que eles têm que fazer? Têm que fazer 16 jogos por fim de semana? Temos pela frente muito trabalho, muito mesmo, de base.
VS - Como é que convence um estudante a ser árbitro? Fazem alguma prospeção, têm pequenos cursos?
- Esse trabalho é sempre feito nas Associações distritais, nos 22 Distritos, uns de uma dimensão, outros com outra, porque a realidade de Bragança não é a realidade do Porto ou de Lisboa. Procuram ir às escolas, ou tentam nos clubes, especialmente junto daqueles miúdos que já perceberam que não terão grandes hipóteses quando passarem a seniores. E esse é um campo de recrutamento muito importante…
JMD - Pelo menos já sabem a diferença entre meter o pé por cima ou metê-lo de lado…
- É muito importante que o jovem árbitro tenha passado pela experiência do balneário, seja no futebol, no futsal, ou noutra modalidade. Partilhar, estar em grupo, saber, a intensidade do contacto na análise, é muito importante, e notam-se diferenças entre os jovens que praticaram desporto e que não praticaram.
VS - E os jovens candidatos, como é? Quanto tempo tem o curso, e como é que se evolui para chegar a árbitro de topo?
- É preciso uma série de anos. No mínimo, um árbitro que venha dos distritais, precisa de dez anos para conseguir chegar ao topo da carreira. É preciso fazer prova de grande resistência física e psicológica. Há licenciaturas mais fáceis de tirar…
JMD - Qual é o percurso-padrão?
- Numa primeira fase, tiram o seu curso nas Associações distritais e começam a fazer os jogos dos miúdos; a seguir, fazem, pontualmente, de árbitros assistentes nos jogos das distritais. Há jovens que começam a arbitrar aos 14 anos, temos muitos. Até aos 18 anos, não podem subir de categoria, e a partir daí podem chegar a nível federativo, onde os esperam novos patamares para serem atingidos. Dirigem jogos nacionais de escalões jovens, depois Liga 3 e assim sucessivamente. Há um funil muito apertado, tanto no futebol como no futsal. Aos atingirem o futebol profissional, fazem jogos da II Liga e são, por vezes, quartos-árbitros no escalão principal. Anualmente, os dois melhores jovens dessa categoria sobem ao escalão principal.
VS - Aqueles jovens que fazem sete ou oito jogos por fim de semana, quanto é que recebem?
- Varia, conforme as Associações. Até nisso temos ainda um sistema de remuneração muito antiquado, um jovem árbitro que dirige um jogo de iniciados em Portalegre não recebe o mesmo que é pago em Bragança ou no Porto. Existe um valor pelos quilómetros englobado, há o subsídio de alimentação, mas estamos a falar em prémios de jogo na ordem média de 10 euros, e em a algumas Associações, nos jogos dos infantis, nem a esse valor se chega. É irrisório.
JMD - Mas é impossível fazer oito jogos em dois dias e manter a qualidade e o foco…
- A APAF, enquanto organização, e os Conselhos de Arbitragem, também, estamos preocupados por fazerem esses jogos por fim de semana. Eles, como jovens que são, não se importam muito, porque, com tudo junto, fazem um valorzinho maior e ficam satisfeitos. Porém, a nós, enquanto organização, preocupa-nos porque o discernimento não é o mesmo. Por vezes começam a fazer jogos à sexta-feira, mais dois ou três jogos ao sábado de manhã, e quando chegam ao jogo de seniores ao domingo à tarde já vão com seis ou sete arbitragens seguidas. Este problema que já é grave com 200 mil praticantes, como será quando atingirmos 400 mil?
VS - O que está a dizer é interessante, mas sobretudo preocupante. Este problema é exclusivamente português?
- Isto é um problema a nível europeu. A UEFA ainda recentemente lançou uma campanha nesse sentido, que contou com a colaboração da APAF. E a FPF acabou de fazer um esforço de recrutamento de jovens árbitros, porque Portugal é um dos países da Europa com menor taxa de prática desportiva. Sendo fundamental ter mais jovens a praticar desporto, a probabilidade de termos um déficit de árbitros é elevadíssimo.
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
JMD - Vendo esta questão a dez anos, a hipótese de arbitragem dos jogos profissionais por inteligência artificial deve ser colocada em cima da mesa?
- Como apaixonado, jamais gostaria de ver um jogo de futebol arbitrado por máquinas. Para isso, sento-me ao lado do meu filho e vejo um jogo de computador. Mas o problema é suficientemente grave para percebermos que temos de elaborar um plano integrado, não é só para captação, mas também para a retenção dos árbitros.
VS - Mas para reter, é preciso criar uma carreira, porque enquanto isso não se verificar, trata-se de um convite envenenado.
- É verdade, porque dizemos aos jovens que continuem a trabalhar e a evoluir na arbitragem, porque têm uma possibilidade de carreira que, no fim do dia, não existe.
JMD - E no futebol feminino? O número de árbitras tem crescido?
- Temos tido um crescimento na arbitragem feminina muito interessante. Há árbitras portuguesas com uma qualidade fantástica e não tenho dúvidas nenhumas de que, a curto prazo, teremos mulheres a dirigir jogos profissionais de homens. Isso já se verifica relativamente às árbitras-assistentes, que desempenham a sua missão muito bem. Sinceramente, estou muito confiante na arbitragem feminina.
ÚLTIMO MANDATO
VS - Este é o seu último mandato como presidente da APAF. O que gostaria fazer nos anos que lhe restam?
- Há dois objetivos que tracei, e que foram a principal motivação para abraçar mais um mandato. O primeiro é a criação de um Centro de Estágios, a construir em Óbidos, que já foi autorizado pela FPF. Trata-se de um projeto que nos pode ajudar muito, tanto na formação como na própria retenção dos árbitros. O segundo tem a ver com o profissionalismo dos árbitros, tratando-se de uma questão que tem de envolver o Governo, não depende só de nós.
JMD - Vê, neste Governo, sensibilidade para isso?
- O Governo tem aqui uma oportunidade de excelência para marcar uma página no desporto. Confio no trabalho do secretário de Estado, Pedro Dias, e acredito que nele poderemos encontrar uma boa ajuda.
JMD - Mas para isso acontecer, em primeiro lugar o árbitro, a partir de um determinado momento, tem de aceitar ser profissional; depois, tem de ter condições de estabilidade; a seguir precisa de garantias de que, ao dia de hoje, até aos 66 anos e quatro meses, idade da reforma, pode ser vídeo-árbitro, ou observador, ficando profissionalmente ligado à arbitragem. Isso sim, seria uma carreira…
- Sim, mas também temos de salvaguardar as situações em que os árbitros, por algum motivo têm um problema qualquer de saúde e as coisas não dão. Ou se são profissionais liberais e querem compatibilizar as duas atividades. É preciso pensar nos descontos que foram fazendo durante a carreira, e aí volto aos casos do Artur Soares Dias, ou do João Pinheiro, daqui a algum tempo. Com 30 anos de arbitragem, seguindo uma carreira contributiva normal e justa, que tenha estatuto de desgaste rápido, têm que ter, obrigatoriamente, condições para uma saída que os deixe descansados, e não coloque as famílias em risco.
VS - Mas até à reforma podem ser observadores, nem têm de ser apenas vídeo-árbitro.
- A arbitragem permite imensas saídas profissionais, são necessárias. Ainda não valorizamos muito, por exemplo, as assessorias. Os árbitros que saem, ficam com um know-how tão grande, que podem ser assessores nos clubes…
JMD - Por boas razões, presumo…
- Sim, que sejam contratados pelas boas razões.
COMO PROFISSIONALIZAR A SÉRIO
JMD - Pelos números que ouvi, são precisos seis milhões de euros anuais para profissionalizar a arbitragem…
- Estamos a falar num valor por uma profissionalização, quando ela, verdadeiramente, ainda não existe. É como estarmos a tapar o sol com uma peneira.
VS - É construir a casa pelo telhado?
- Sim. Colocar dinheiro num falso profissionalismo, não vai servir para nada. O árbitro tem de saber o que desconta, se, por lesão, tem direito a baixa como qualquer outro trabalhador, e é por aí que temos de começar. Depois, a questão de valores depende do número de árbitros que se pretende. O que não podemos é construir a casa pelo telhado.
DA APAF PARA O C.A.
JMD - Há aqui uma questão que é quase filosófica, que eu e o Vítor temos debatido muito nos nossos programas, tanto neste quanto na Quinta da Bola, e que tem a com um transvase permanente entre a APAF e o Conselho de Arbitragem, o que nos remete para uma contradição que me parece insanável: o papel do presidente da APAF é defender os árbitros; já o papel do presidente do Conselho de Arbitragem é defender a arbitragem, o que não é a mesma coisa. Como é que se consegue dar a volta?
- O presidente da APAF tem de ser uma pessoa que defenda os árbitros, que pugne por melhores condições, e esta é a nossa principal obrigação. O presidente do Conselho de Arbitragem deve ser um gestor de arbitragem, no sentido em que tem a obrigação de gerir a carreira dos árbitros, as nomeações, as subidas e descidas, ou seja, tem de ser conhecedor da arbitragem como um todo, de forma muito transversal. Ora, é isso que tem acontecido ao longo dos anos, porque quem está na APAF adquire um conhecimento inerente da arbitragem, não havendo dúvida nenhuma de que são papéis totalmente diferentes. Imensas vezes, durante estes oito anos na liderança da APAF, tive ideias e opiniões completamente contrárias às do Conselho de Arbitragem, e estamos a falar, no caso do José Fontelas Gomes, que é uma pessoa com quem tive o prazer de trabalhar e foi meu presidente. Mas temos de defender coisas completamente diferentes, porque eu defendo o árbitro e ele gere a arbitragem.
VS - Mas há quem não perceba que uma coisa é defender o árbitro, e outra é defender a arbitragem, o que passa, por vezes, por estar do lado dos clubes, ou do lado dos jogadores…
- Sabe que ainda temos situações públicas, de treinadores ou outros agentes envolvidos no futebol, a virarem-se contra a APAF, por questões de nomeações, quando não temos nada a ver com elas. A APAF é a associação que defende os árbitros, mas também é muito importante que as pessoas tenham noção, que a APAF, só este ano, enviou para os Conselhos de Disciplina distritais e da FPF, queixas sobre comportamentos de árbitros.
JMD - Sobre que matérias?
- Por terem respondido de forma indevida, por exemplo. Mas fazemo-lo com provas efetivas, porque recebemos centenas de e-mails todas as segundas e terças-feiras, de norte a sul do país, com queixas de árbitros, e há que fazer uma triagem. Isso, em minha opinião, é defender os árbitros que, de forma séria, tranquila e responsável, desempenham as suas funções. Se tiver de castigar algum, e já o fiz muitas vezes, e irei continuar a fazê-lo, explico o porquê ao próprio árbitro…
VS - Não acha que por vezes a APAF é uma espécie de mãe galinha em relação aos árbitros, como se fossem uns meninos crescidos, que depois têm alguma dificuldade, salvo casos em que a sua personalidade se impõe, mas acabam por se sentirem tão protegidos que acabam por não ter uma autonomia e, uma capacidade própria de viver socialmente e dizer o que pensam, de falar sobre a sua vida…
- Tendo em conta que o árbitro não tem oportunidade de poder, como um treinador ou um jogador, chegar ao final do jogo e defender as suas posições, estamos a trabalhar primeiro a montante, no sentido de melhorar a capacidade de comunicação. Para já, os árbitros estão impedidos de falar, por determinação do IFAB, o que vai contra a sua humanização face à opinião pública.
JMD - O IFAB desaconselha, não proíbe, por isso é que noutros campeonatos os árbitros falam…
- Tenho consciência de que vivemos numa sociedade de comunicação, e o que não se comunica, não existe. É por isso que saímos nós a terreiro em defesa dos árbitros. Mas já vão sendo dados pequenos passos muito positivos, como a explicação que o Conselho de Arbitragem dá de determinados lances. E o caminho vai ser esse, porque é preciso explicar ao adeptos por que determinada decisão foi tomada
JMD - Não sente que a APAF, e peço desculpa pela expressão, às vezes se estica um bocadinho quando, por tudo e por nada, interpõe processos a dirigentes e treinadores? Obviamente que estes não podem dizer, impunemente, que o árbitro foi um ladrão, mas afirmar que o árbitro errou, ou que se sentem prejudicados, deve ser motivo para participação?
- Vou tentar responder por duas vias. Uma delas passa por assumir que num passado recente ainda o fizemos, e a partir daí há que ser coerente. Aquilo que era, no nosso entendimento, enquanto APAF, algo que podia beliscar a seriedade do árbitro, era participado. Porém, também percebemos que poderíamos não estar a contribuir para o ambiente calmo que queríamos, e há uma medida, tomada muito recentemente, e que ainda está a ser afinada, que virá inovar. Vamos ter licenciados em Direito, que funcionem como um pré-Conselho de Disciplina, e façam uma triagem daquilo que deve merecer participação, e do que não deve. Há procedimentos que devem ser melhorados, e eu admito isso, sem qualquer problema.
VS - Também pode dizer-se que continua a haver penas levezinhas para muitas situações que se passam no futebol português, em especial nos bancos, que colocam em causa os árbitros…
- Também defendo que é uma parte que deve ser reavaliada e discutida. Mas os árbitros, este ano, nesse aspeto, contribuíram bastante para a melhoria da situação, sendo rigorosos nessa matéria.
JMD - Mas depois as punições são pífias…
- Há situações que passam pela Liga, que tem o dedo dos clubes, que permitem um quadro punitivo muito curto, que acaba por criar uma situação de impunidade. Creio que a presença nos grandes clubes portugueses de uma nova geração de dirigentes pode ajudar a melhorar o clima e este estado de coisas também. Acredito que, neste caso concreto de André Villas-Boas, ou de um médico que andou lá dentro, ou de um ex-jogador, vai ajudar, porque têm uma sensibilidade diferente. Mas também devo dizer que há exemplos de grandes presidentes que nunca foram praticantes.
AS ELEIÇÕES NA FPF
JMD - Quantos votos é que a APAF tem na Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol?
- Cinco. Mais um por inerência da presidência, num contexto de 84 votos.
JMD - Portanto, quem tiver quarenta e três votos é o novo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, sabendo-se que o mandato de Fernando Gomes termina e ele não irá candidatar-se. A APAF veria com bons olhos um ex-árbitro como presidente da Federação Portuguesa de Futebol?
- Ainda não existe nenhum candidato, logo nem sabemos de quem é que estamos a falar. Não estamos, sequer, em processo eleitoral, e o Dr. Fernando Gomes continua a fazer o seu trabalho de excelência. Mas seria hipócrita da minha parte dizer que não gosto que seja reconhecido o trabalho ou a competência de um ex-árbitro nos patamares nacionais e internacionais. E fico muito satisfeito ao ver um ex-árbitro, sócio da APAF, como presidente da Liga Portugal e das Ligas Internacionais. Na altura em que houver candidaturas, e eu não faço ideia se é a vontade dele…
JMD - Estamos, é claro, a falar de Pedro Proença…
- Sim, mas, enquanto presidente da APAF, não vou abdicar de uma coisa, e isso irá condicionar o nosso sentido de voto. Temos de ter alguém da arbitragem, independentemente de quem for o presidente, na Direção da Federação Portuguesa de Futebol. Estão lá, e muito bem, treinadores, temos lá ex-jogadores, mas também devemos ter alguém da arbitragem. Depois, interessa saber o projeto, e o modelo que é defendido para a arbitragem. Gosto de ver isto em ciclos de 12 anos, ou seja, o presidente que for para a Federação tem que ter um projeto, tal como sucedeu com o Dr. Fernando Gomes, a 12 anos. Não podemos entrar num novo ciclo em que haja Campeonatos da Europa ou do Mundo sem árbitros portugueses. Há métricas, eu sou muito defensor de métricas, que têm de ser traçadas e alcançadas.