«Sabe qual é o problema, mister? É que eu gosto muito de comer…»
Esquerdino apontou o golo da vitória de Portugal sobre a Chéquia. (Foto: Imago)

«Sabe qual é o problema, mister? É que eu gosto muito de comer…»

SELEÇÃO19.06.202420:57

As histórias dos tempos de formação do herói nacional do momento, Francisco Conceição, contadas por quem o treinou e mantém com ele forte amizade

MARIENFELD – Francisco Conceição é inevitavelmente a figura de quem se fala um pouco por todo o mundo do futebol, o herói de Portugal que, anteontem, ao fim de somente dois minutos em campo, garantiu com um golo a vitória da Seleção Nacional no jogo de estreia no Euro 2024 diante da Chéquia (2-1).

E, se até agora só se falava de Ronaldo, neste momento, de Leipzig a Marienfeld, todas as perguntas de quem se dirige à reportagem de A BOLA são sobre o jovem espalha-brasas que, do alto da sua irreverência, mudou o destino português no duelo inaugural. Todos querem saber algo mais do que só a constatação de que é filho de Sérgio Conceição.

Para responder a algumas das muitas questões que nos colocam, fomos ao encontro de quem o conhece bem, de quem com ele conviveu diariamente ao longo dos últimos anos, o antigo técnico de Francisco nos juvenis e nos juniores do FC Porto, Israel Dionísio. Que não podia estar mais feliz com a subida ao Olimpo do seu menino.

Francisco Conceição com Israel Dionísio, seu antigo técnico nas camadas jovens do FC Porto

«Estou supercontente, claro. Como toda os portugueses. Mas quando acontece com alguém para quem contribuímos com algo, então aí é como ganhar um Campeonato», começa por recordar o técnico, logo recordando algumas das histórias vividas com o miúdo que «sempre teve o que hoje já não se encontra nos jogadores jovens», por conta da formatação que cada vez mais é imposta no treino de formação.

«Ele não. Ele sempre foi diferenciado. Ele foge à regra e todos os treinadores sonham ter um jogador forte no um contra um como ele. Os jogos, as táticas atuais por vezes encaixam de tal maneira que só o talento individual é que consegue desbloqueá-las. E o Francisco tem isso», continua Israel Dionísio, lembrando-se logo depois do primeiro dia em que viu Chico Conceição, tinha ele 16 anos.

Francisco Conceição nas camadas jovens do FC Porto, com 16 anos

«Lembro-me tão bem. Logo no final do primeiro treino, disse-lhe: “hoje, não vais já para o balneário”. “Não, então porquê, mister?», perguntou-me. “Vamos correr, ainda, os dois”. “A sério? Pois, entendo-o… Sabe qual é o meu problema, mister? Eu gosto muito de comer”, disse ele. Não contive a gargalhada. Ele é assim, muito puro e humilde. Mas também, repito, muito irreverente. Não só no campo. Ele lidava mal (aqui o mal é entre aspas) com algumas decisões, como ser substituído ou não jogar», atira o treinador hoje com 49 anos, explicando: «Mas isso é porque ele muito competitivo, é alguém que quer sempre mais, que gosta de ganhar. Às vezes, os treinadores têm dificuldades com este tipo de jovens, mas, para mim, são eles os que vão dar jogadores. Adoro-os porque, na verdade, também eu era assim quando era mais novo [risos].»

Ele é mesmo um miúdo diferenciado e superdivertido, daqueles que todos querem num balneário

Entretanto, Roberto Martínez usou a expressão espalha-brasas em relação a Francisco e a verdade é que colou. De tal modo, que, decerto, perseguirá o primeiro herói português deste Euro 2024 ao longo da carreira. «Acho que é adequado e, inclusive, abrange mais do que a parte técnica. A parte mental também se inclui nessa alcunha. Ele é mesmo um miúdo diferenciado e superdivertido, daqueles que todos querem num balneário. Natural que esteja como peixe dentro de água na Seleção. E mais cedo do que se pensa será um indiscutível do onze, porque tem capacidades que muitos não têm.»

Francisco Conceição tornou o sonho real (foto Imago)

Algo que Israel sempre acreditou ser possível, um dia, acontecer. «Sempre senti isso. A minha atuação junto do Francisco foi sempre a de potenciar algo que é inato. “Vai para cima deles, rebenta com eles”, dizia-lhe muitas vezes. Na formação, temos de ter essa capacidade e essa visão e potenciar as características dos miúdos. E, claro, dar-lhes algo mais. Mas potenciar é fundamental. E o Francisco era diferente. Não tinha medo do opositor, não tinha medo de ir para cima. É característica dele. E está a desenvolver outras, como jogar para o pé direito. Nós damos uma ajuda, mas o resto é deles, dos jogadores. Há muitos treinadores que dizem: ah fui eu que fiz aquele jogador. Pois… Às vezes, não mexer muito é o essencial», conclui Israel, deixando, por fim, através de A BOLA, uma mensagem ao antigo pupilo.

«Francisco, continua a acreditar nas tuas capacidades, que as coisas acabarão por acontecer naturalmente. Desejo-te uma grande carreira e que sejas, acima de tudo, um grande homem!»