Unidade, transparência, determinação e formação
COM a vitória esforçada face ao último da tabela, o Aves, e uma vitória imerecida, mas gostosa, perante os austríacos do LASK, o Sporting tem, enfim, algum tempo para se recompor de uma sucessão de maus episódios. Desde logo, como anunciaram os seus dirigentes, porque a reestruturação financeira está concluída. Isto não significa que esteja mais rico ou mais pobre, mas indica que esse deixa de ser o foco de atenção essencial do clube. Depois, na AG que esta noite (20 h) se realiza no Pavilhão João Rocha, onde previsivelmente, com mais ou menos ruído dos habituais, se aprovarão as contas do exercício e o relatório de gestão, ficará consolidado o caminho que esta Direção escolheu. Nada melhor, pois, do que olhar para a frente.
E assim é altura de a Direção se empenhar mais naquilo que faz falta, além dos bons resultados desportivos no futebol sénior. Este, confiado à equipa técnica e ao treinador Silas, tem todas as condições para saber com que linhas se cose.
A primeira dessas tarefas é, sem dúvida, unir o clube, lema da candidatura de Frederico Varandas. Unir não é apenas uma palavra que possa depender das vitórias no futebol. Unir o clube implica envolver todos os sócios (ou, pelo menos, os que estão de boa vontade e não querem retirar a esta Direção a legitimidade que conquistou nas urnas). Para isso é necessária uma forma de comunicação completamente diferente. Por exemplo: há dois dias li, neste mesmo jornal, os esforços que tinham sido feitos na Academia de Alcochete. É óbvio que as obras, como era dito, custaram dinheiro que podia ter sido utilizado na compra de mais um ou outro jogador. Mas também fica claro - pelo menos para mim - que este é o futuro. E que, seja qual for a organização, a Direção e a pujança desportiva do Sporting, o clube será sempre um clube de formação no futebol, que deve honrar os pergaminhos conquistados e que indubitavelmente ostenta.
Mostrar trabalho
NOS tempos que correm a perceção tornou-se algo de fundamental. Muitas vezes - seja nas empresas, na política ou, também, no desporto - a perceção vale tanto ou mais do que a realidade objetiva. Não precisamos de ir longe. Durante anos o Sporting viveu enganado numa perceção que não correspondia, nem de longe, como hoje se sabe, à realidade. Eis outra coisa que a reportagem sobre Alcochete deixava claro.
Porém, a prevalência das perceções sobre o real não deve levar os responsáveis do Sporting a ignorá-lo ou descurá-lo.
Em primeiro lugar, é necessária uma transparência muito superior àquela que existe. Bem sei que há sócios que reclamam pelo facto de certos documentos que hoje serão discutidos em AG já serem do domínio público. Tal queixa é própria de quem não entende verdadeiramente o mundo em que vivemos. A nossa sociedade é cada vez mais transparente e, para o bem e para o mal, perde-se privacidade, secretismo, recato. Por isso, insisto, é tão importante a comunicação e a forma como se comunica. Por muito bom que seja o conteúdo, uma comunicação errada cria uma cadeia de mal-entendidos e de desconfianças difícil de parar. A melhor forma de ser transparente é permitir que o escrutínio de quem dirige seja constante e criterioso. Para tal é necessário que tudo seja apresentado e bem explicado, não só à Comunicação Social como aos sócios, através das formas expeditas - como os emails, SMS ou o site do clube.
Pessoalmente, já o escrevi, preferia que as AGs não fossem como são, mas isso implicaria uma alteração de Estatutos que, seja como for, entendo que deve ser feita. A falta de um fórum civilizado (sublinho várias vezes esta palavra) e sereno onde discutir, sem os habituais insultos e berrarias, parece-me óbvia.
Seguir um rumo
EM segundo lugar, como ando a pregar nestas páginas há muito, é absolutamente vital ter um rumo determinado e segui-lo com firmeza. A definição de um caminho, desde que partilhado por um número significativo de sócios, permite-nos estar menos dependentes dos resultados imediatos e mais focados nos objetivos. Isto, que é uma evidência, depende essencialmente, como fica claro, da capacidade de envolver boa parte dos sócios (o ideal seria todos).
Aspetos como o facto de Pedro Mendes não ter sido inscrito na Liga e nas Taças, e de Joelson não ser testado na equipa principal, sem que se perceba claramente quem é o responsável por tais decisões, têm de acabar. É necessário que se saiba quais os motivos e quais os responsáveis. Por mim, estou disposto a entender uma opinião válida (concordar é outra coisa) sobre essas opções. E concordarão que o pior é ficarmos com a ideia de que tudo se deve ao desleixo ou - pior ainda - à insistência teimosa e sem nexo de um treinador que, aliás, já saiu.
Em terceiro lugar, esse rumo claro deve ser traçado não apenas pela Direção, mas com os contributos de muitos outros setores do Sporting, não esquecendo, claro, as modalidades. A Direção, como todas, passa; o clube fica, e a linha de rumo traçada, no essencial, deve ser a do clube. É, se quiserem, como na política se chama aos projetos que abrangem muito mais do que uma legislatura. Exemplos como a presença de Portugal na NATO, na União Europeia, no Euro e em Schengen mostram que há uma constante, independentemente dos partidos no poder, nessas políticas (e noutras como as que dizem respeito à CPLP, etc.).
O Sporting precisa de grandes linhas assim. Precisa de as discutir com calma, sem o entendimento de que as divergências tornam alguns mais sportinguistas do que outros ou mais puros do que outros. O Sporting, agora que nos dizem ter arrumado o essencial da casa, precisa de, aos poucos, encontrar o seu lugar exato no panorama desportivo. Quer ser campeão em todas as modalidades? Claro que quer! Mas isso é o mesmo que não dizer nada. Como em tudo, tem de fazer opções, hierarquizar esforços e ter uma estrutura de governança clara, transparente e sujeita a constante escrutínio. São assim os clubes modernos, sobretudo se forem grandes, com dezenas de milhares de sócios com ideias e projetos diferentes na cabeça. Há o tempo das discussões e o tempo das decisões. O pior é manter ambos em simultâneo de forma a que se discuta por tudo e não se decida nada.