Tráfico de jovens sonhos
Dúvidas não restam de que a lei repudia o tráfico humano, mas não chega. Toda a sociedade tem de condenar e denunciar estes graves comportamentos
«PORTUGAL é um paraíso para o tráfico de pessoas», diz Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato de Jogadores. Uma frase contundente e que nos alerta para uma situação pouco ou nada conhecida. Acrescenta o dirigente que «como querem que o clube da terra ganhe (…) todos fecham os olhos a isto». Aqui há quem possa discordar porque felizmente, como comprova a recente investigação do SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras -, há quem tenha os olhos abertos.
A empresa Bsports, academia de futebol, e o agora demissionário presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga, Mário Costa, estarão sob investigação pelo crime de tráfico de pessoas, tendo o ex-dirigente já sido constituído arguido. Aqui, repito as vezes que forem precisas, todos são inocentes até que um tribunal os considere, definitivamente, culpados. E uma investigação não é sequer uma acusação.
114 jovens, entre os 13 e os 22 anos, oriundos de países terceiros, estariam integrados na Bsports, onde «além da falta de professores e condições no edifício, seriam obrigados a entregar os documentos de identificação aos seguranças, não poderiam sair do recinto sem estarem acompanhados e, à noite, estariam trancados nos quartos a cadeado», noticia a RTP. Para isto, os jovens ou as suas famílias pagariam mensalidades entre os 600 e os 2000 euros por mês.
A empresa Bsports estará sob investigação pelo crime de tráfico de pessoas
O Código Penal, no seu artigo 160, prevê o seguinte: «quem oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração (…) do trabalho (…) é punido com pena de 3 a 10 anos. Que pode mesmo, com circunstâncias agravantes, ser agravada em um terço.»
Além disso, também a Lei de Bases do Desporto refere, no seu artigo 3.º, n.º 1, que «a atividade desportiva é desenvolvida em observância dos princípios da ética (…)». Dúvidas não restam de que a lei repudia o tráfico humano. E a sociedade?
Sim, as leis não chegam, toda a sociedade tem de condenar estes graves comportamentos e denunciá-los. Não se pode fechar os olhos só porque é bom para o nosso clube porque o ajuda a ganhar, deixando as pessoas felizes. Parte do problema passa pela forma como o desporto, e particularmente o futebol, está organizado.
A questão é criada também pelas cláusulas de rescisão. Estamos na louca época do mercado de transferências. Trata-se de vender e comprar direitos que na prática são pessoas, uma forma moderna de servidão. Afinal, aqui, a liberdade de trabalhar, garantida pela Constituição, não é respeitada.
Dirão: mas estamos a falar de milionários, qual é o problema? Infelizmente o problema não são as transferências que são notícia, são as que não o são. As que envolvem menores, desportistas jovens e frequentemente pobres, oriundos de países com graves dificuldades. É aí que as autoridades policiais e desportivas têm de atuar.
Hoje o direito ao golo vai para o SEF que fez um excelente trabalho e libertou aqueles jovens do tráfico das suas vidas, do tráfico dos seus sonhos.