Ternura dos 50

OPINIÃO17.01.202305:30

Deste meio século de vida, passei metade (exatamente metade) como árbitro de futebol

O NTEM, segunda-feira - dia em que vos escrevo esta crónica -, celebrei o meu 50.º aniversário e dei-me conta que, deste meio século de vida, passei metade (exatamente metade) como árbitro de futebol. Foram 25 anos de uma carreira que começou em 1991 e terminou oficialmente em 2016. Estes números, todos redondinhos e bem medidos, levam-me o coração para a boca. A idade não perdoa, como dizem os meus amigos.

À medida que o tempo passa, a mente tende a serenar, o coração a acalmar e a vida, a nossa vida, começa a ser vivida com outra perspetiva e plenitude. Com outro sabor. Aprendemos a relativizar o que não tem tanto valor como julgávamos, valorizando momentos especiais e pessoas importantes.

Não foi preciso fazer anos para atingir esse grau de maturidade, mas fazê-los fez-me pensar ainda mais no assunto.

Ao longo do meu percurso de vida, vivi mais momentos felizes do que menos bons. Incomparavelmente. A infância/adolescência foi algo atribulada, sobretudo devido à saída prematura da terra natal (aos 16), rumo a uma vida na capital, interrompida por um ano de estudos em Aveiro. Demorou algum tempo até que a coisa estabilizasse na cabecinha e na alma, mas tudo lá se resolveu.

A nível profissional e, sobretudo, na carreira com o apito na mão, a ideia que tenho é exatamente a mesma: vivi fases delicadas e desafiantes, mas a maioria das memórias que guardo são muito positivas. Considero-me um homem sortudo e um profissional privilegiado e sou muito grato por isso. De verdade.

Como qualquer pessoa nesta idade, guardo pequenas mágoas (não confundir com rancores) relativamente a pessoas ou situações que não corresponderam ao que esperava. Acho que é normal. Quem não se sente, não é filho de boa gente. Haverá muitas pessoas que guardarão idênticos sentimentos de mim e se calhar com razão. Com toda a razão.

Por exemplo, gostava que os meus colegas de classe ou estrutura de arbitragem tivessem tido a iniciativa de organizar um simples lanche ou almoço de despedida quando terminei a carreira. Um pretexto para nos reunirmos uma última vez, em jeito de  farewell. Participei e ajudei a organizar dezenas ao longo da carreira, por saber serem importantes para quem saía do ativo. Nunca o fizeram, nunca se lembraram, nunca me falaram disso. Acontece.

A um nível mais romântico, gostava que as pessoas que gostam de futebol fossem menos irracionais (não confundir com emocionais): há demasiada agressão verbal, maldade e ofensa, malícia de atuação. Há demasiada falta de respeito institucional e muito pouco fair-play quer quanto a resultado, quer na relação entre agentes desportivos. Preferia que fossemos melhores a esse nível, mais estruturados culturalmente, com mais classe, mas enfim... não há mundos perfeitos.

De resto, tudo em bom. Sou um homem saudável (até ver), um chefe de família orgulhoso, um pai e marido babado, um filho mimado e uma pessoa de gostos muito simples.

Adoro o que faço, sabendo que o que faço não é um fim, é apenas um meio. Sei que estou a milhas de ser o que poderia ser, mas não desisto de tentar lá chegar, pela via da simplicidade e da independência. Pela via do trabalho e da coerência. Sei muito pouco ainda, mas ter noção disso deve ser meio caminho andado para continuar a aprender, com pezinhos bem assentes no chão.

Venham mais uns quantos.