Tempos de mudança?
NOS últimos meses, a arbitragem portuguesa tem dado alguns passos no sentido de mostrar mais do que é, do que faz e do que a move. As iniciativas têm-se sucedido umas atrás das outras e, convém sublinhar, são positivas e elogiáveis, porque finalmente demonstram vontade em desmistificar o que, para mim, é mais ou menos óbvio: nada de suspeito ou maquiavélico esconde-se por detrás das decisões dos árbitros ou das diretrizes emanadas pelos seus dirigentes. Não há roubos deliberados, não há erros intencionais, não há perseguição a uns ou benefício a outros. Há toda uma vasta equipa que trabalha como sabe para fazer o melhor que pode. Acerta, erra, aprende, corrige e volta a tentar.
Quanto aos ventos de mudança que parecem soprar para estes lados, é bom recordar que começaram logo no início de junho, quando a FPF propôs a criação de um modelo diferenciado para gerir a arbitragem profissional em Portugal. Um modelo que, segundo a instituição, deve passar pela criação de uma empresa externa que possa «utilizar ferramentas e mecanismos legais que garantam a constituição e desenvolvimento do quadro de árbitros mais adequado». No fundo, o que se pretende é criar uma espécie de PGMOL, à semelhança do que existe na Premier League há cerca de vinte anos. A avançar — e tem tudo para avançar —, a mudança de paradigma implicará mexidas profundas a vários níveis: legal, regulamentar e porventura estatutário, com todas as inerências daí decorrentes... a outros níveis.
Cerca de um mês depois, foi o Conselho de Arbitragem a comunicar aos seus árbitros que algumas comunicações áudio com o VAR serão divulgadas publicamente, embora para efeitos pedagógicos. Houve o entendimento que este era o momento certo para dar passo firme rumo à transparência de processos, na esperança que o mundo do futebol possa perceber e aceitar o sentido didático da medida. Sei que não será fácil, porque este é um universo onde a irracionalidade é quase sempre maior do que a emocionalidade, mas não há a mínima dúvida que é um passo importante e bem implementado.
Entretanto, alguns jornalistas foram convidados a participar em ações formativas e a conhecer as recomendações que os árbitros receberam para a nova época. Visitaram as salas de vídeoarbitragem e tiveram tempo para esclarecer dúvidas e levantar questões. A iniciativa, não sendo nova, voltou a mostrar vontade em humanizar o papel dos homens do apito junto de quem tem papel muito relevante na formação de opinião. O mesmo também aconteceu com treinadores e dirigentes de clubes das duas ligas profissionais, com quem o CA partilhou as instruções dadas aos juízes, num ambiente que segundo consta foi de enorme abertura e diálogo.
Por último, não esqueçamos que nesta jornada do arranque da Liga Betclic, Andreia Sousa — árbitra assistente dos quadros da AF Braga — tornou-se na primeira mulher a fazer parte de uma equipa de arbitragem num jogo do escalão maior do futebol português, exercendo funções no Rio Ave-Chaves.
Tudo parece encaminhar-se para uma nova era, de maior abertura e iniciativa por parte da arbitragem. Independentemente dos motivos políticos que possam estar subjacentes à introdução destas medidas nesta altura, a verdade é que elas representam um passo de gigante rumo ao que mais importa e isso é o que deve ficar na retina.
Off Topic — Tenho lido em vários locais uma pequena mentira que corre o risco de tornar-se verdade, se continuar a ser vendida de forma tão errada e especulativa: não é verdade que a expulsão de elementos dos bancos técnicos possa acontecer através de ordem verbal. Esqueçam lá isso, por favor. É algo que já não existe. Nessa matéria, houve uma alteração às leis de jogo (em 2019/2020) e ficou expressamente definido que a expulsão de qualquer pessoa que esteja na área técnica só pode acontecer através da exibição do cartão vermelho. Esse ato não pressupõe a obrigação de isolar o infrator, uma vez que isso só está recomendado aquando da amostragem do cartão amarelo. Para confundir já há gente a mais. Fica a nota.