Tempo de compensação

OPINIÃO02.05.202306:30

A lei 18 - a única que não está escrita - é clara e tem de ser aplicada com equilíbrio e ponderação

A Lei 7, no seu ponto 3, estipula quais as situações técnicas em que cada parte deve ser prolongada para recuperar o tempo perdido durante um jogo de futebol. Se ainda não sabem, tomem nota: processo de substituições, avaliação de lesões ou transporte de jogadores lesionados para fora do terreno, perdas deliberadas de tempo, aplicação de sanções disciplinares, paragens médicas permitidas pelo regulamento da competição (para hidratação ou arrefecimento de jogadores), atrasos resultantes de checks/revisões efetuadas pelo VAR e quaisquer outras causas, incluindo atraso significativo nos recomeços (por exemplo, após a celebração excessiva de golos).

Como se percebe, são inúmeras as razões previstas e embora existam instruções de tempo específico a acrescentar em algumas destas variáveis, a verdade é que cabe ao árbitro e só ao árbitro (enquanto único cronometrista oficial do jogo) determinar quantos minutos devem ser acrescentados após esgotados os quarenta e cinco ou noventa regulamentares.

Essa decisão é importante e não deve ser tratada com leviandade. Deve resultar de um bom trabalho de equipa, porque quem está do lado de fora (a 4A ou em sala) tem melhor perceção das paragens anormais que justifiquem essa extensão. Ao árbitro de campo o que se pede acima de tudo é sensatez e equilíbrio. Em boa verdade, o que se espera é que os minutos mostrados na placa eletrónica correspondam positivamente a uma sensação generalizada de justiça, ou seja, que o tempo adicionado seja adequado às incidências registadas no decorrer do encontro. É tão simples quanto isso.

Outra coisa importante e que se exige a um árbitro de topo é que recorra à prerrogativa «descontos sobre descontos», que é como quem diz, que acrescente aos minutos inicialmente indicados aqueles que se justifiquem, face às interrupções entretanto ocorridas. Se um árbitro concede, por exemplo, cinco minutos de compensação e desses, só se jogaram dois, é mais do que expectável que adicione a esse período outro que colmate as perdas de tempo ali consideradas excessivas e/ou injustificadas. De novo, é uma questão de bom senso e até de verdade desportiva.

De igual modo é exigível (pela mais importante das regras) que um árbitro nunca termine um jogo quando a bola ou a jogada decorrem em zona prometedora e/ou nas imediações de uma das áreas. Mesmo que o tempo esteja a esgotar-se, a sensatez impõe que não se mate um contra-ataque rápido ou uma jogada de perigo iminente, que seguramente nasceu ainda no tempo regulamentar.

Não é preciso pensar porquê, porque a tal lei, a 18 - a única que não está escrita - é clara e tem de ser aplicada com equilíbrio e ponderação.

Ser árbitro é provavelmente a tarefa mais difícil de exercer no futebol. Temos todos essa noção. Só quem calçou as suas botas e experienciou as suas dificuldades é que consegue afirmá-lo com clareza e honestidade. Mas há momentos em que os árbitros conseguem ser os seus maiores inimigos. Há momentos em que se põem muito a jeito, atirando-se de cabeça para as garras afiadas de leões sedentos de os devorar. Não têm necessidade nenhuma disso, não o deviam fazer em circunstância alguma.

Arbitrar é uma arte tramada que exige serenidade, abstração, equidistância, neutralidade, compromisso, firmeza, coragem, personalidade, preparação física, conhecimento técnico, capacidade de gerir emoções, espírito de equipa, resiliência e... bom senso. Sobretudo bom senso.

É terrivelmente desafiante (diz quem cometeu asneiras atrás de asneiras quando tinha o apito na mão), mas é só para quem pode. Não é para quem quer.