Taças, troféus e mercado em Natal confinado

OPINIÃO22.12.202003:00

1 - Há dois clubes em Portugal que, entre 21 de Novembro e 9 de Fevereiro, ou seja, em 81 dias, poderão vir a disputar 22 jogos. Uma média de uma partida de 3,6 em 3,6 dias. Refiro-me ao Benfica e ao FC Porto. Para além das jornadas para o campeonato nacional, de eliminatórias da Taça de Portugal e de jogos das competições europeias, duas situações despertam a minha apreciação crítica: a Taça da Liga e a Supertaça.

Quanto à primeira, bom teria sido dispensar esta tacinha no meio da pandemia, sem público a assistir em Dezembro, bem como na chamada final four. Acresce, este ano, a total clareza da batota desta competição, que consiste em tudo fazer para que sejam Benfica, Sporting, FC Porto e SC Braga a estarem presentes na fase final. É que, não fosse a coisa sair para o torto, nada melhor do que pôr estas quatro equipas a jogarem o apuramento para as meias-finais nos seus próprios estádios, quando seria mais competitivo e lógico realizar tais partidas em casa do adversário pior classificado ou da segunda liga. Assim, lá tivemos o Mafra em Alvalade e o Estoril em Braga. O Benfica ainda esteve para contrariar a lógica contra o Vitória de Guimarães, mas Pizzi & Pedrinho não deixaram. O Paços de Ferreira pode queixar-se do poste do Dragão. Na próxima edição da Taça da Liga, talvez fosse mais claro e directo evitar uns joguinhos prévios e realizar logo a final four com os quatro clubes habituais.

Quanto à Supertaça a realizar amanhã, também em estádio vazio e desolador como é o de Aveiro, lá jogarão Benfica e FC Porto. Esperando que seja o meu clube a vencê-la, teria preferido evitar esta forçada taça nas actuais condições e na antevéspera natalícia.

E, depois, dizem-nos que assim se protege o futebol nacional e, consequentemente, as participações nas provas europeias. Fanfarronices para português ver…

2 - Naquele cacharolete de jogos, estão três eliminatórias da Taça de Portugal. Duas já disputadas e uma ainda por jogar. Quando esta se efectuar, no início de Fevereiro, já estão delineados todos os jogos até à final do Jamor. Mais uma coisa que, sinceramente, me custa a compreender. Que interesse há em saber-se, em Dezembro deste ano, que, se tudo correr bem (ou seja, conforme corre a Taça da Liga), e não houver os impropriamente chamados tomba-gigantes (não tanto pelo tomba, mas pelos gigantes), já sabemos com meses de antecedência que haverá um Benfica-Sporting e um FC Porto-SC Braga. Será que custa assim tanto sortear mais umas bolinhas isotérmicas só depois de realizadas as sucessivas eliminatórias? Esta moda que também já se verificou na Taça da Liga (este ano não, felizmente), também ocorreu na discriminada (até nisto!) Liga Europa, mas não na Champions. Trata-se de práticas, não direi anti-desportivas, mas desnecessárias e inconvenientes.

3 - A semana passada tivemos mais uma edição da enésima instituição que confere prémios individuais num desporto colectivo. Desta vez, uma cerimónia quase virtual, e em que os virtuais vencedores do último decénio - Cristiano Ronaldo e Lionel Messi - não ganharam. Venceu um polaco, o avançado do Bayern de Munique Lewandowski que, tal como Modric há dois anos, destronou aquela dupla. Mas, como quase sempre e neste século, apenas com uma excepção, aliás, muito discutível (Fabio Cannavaro, em 2006), é invariavelmente, ganha por um avançado ou um médio ofensivo. Nem guarda-redes, nem defesas, nem médios defensivos. Uma espécie de artistas divididos em dois anéis: o superior e o inferior. Injusto, na minha opinião. Curioso é também observar a votação dos seleccionadores e capitães das equipas nacionais. Faz-me lembrar o escrutínio nos festivais da Eurovisão, onde os favoritos não votam em outros favoritos e as afinidades de países se acasalam por critérios que não de mérito. Uma excepção relevante: Ronaldo, capitão de Portugal, votou em Lewandowski para primeiro e Messi para segundo. Já quanto ao melhor treinador, seria mais justo ter ganho o da equipa bávara Hans-Dieter Flick. Pegou na equipa em situação de descrença e ganhou tudo o que havia para ganhar (Bundesliga, Taça da Alemanha, Supertaça alemã, Champions, Supertaça europeia e, provavelmente, o Mundial de clubes).  Que mais é preciso?

4 - Dentro de breves dias, vai começar um novo mercado no futebol mundial (mas será mesmo que vai começar ou continuar?). Mais uma oportunidade para especulações, fake news, devaneios e promessas. Mais rios e rios de palavras se lerão e ouvirão para esquecer mágoas ou alimentar sonhos.

Com este ritmo de competições, sejam nacionais ou internacionais com manifesto interesse e importância, ou para encher o chouriço do calendário, é necessário que os clubes envolvidos tenham duas equipas prontas a jogar. Por outras palavras, a qualificação de titular já não é agora o que sempre foi. Mas há quem ainda teime em desqualificar um qualquer jogador por não ser convencionalmente um titular. De um plantel equilibrado, como deve ser, por exemplo, o do Benfica, o importante é estar no grupo dos que podem jogar sem que o desempenho geral se ressinta. É claro que uma coisa é a rotatividade em zonas que exigem mais constância e estabilidade, como será o caso dos defesas-centrais. Mas, como bem diz Jorge Jesus, ninguém é titular, porque todos podem ser titulares. Acresce que, também agora, são possíveis cinco substituições por jogo, isto é, 50 por cento da equipa, se excluirmos o guardião, o que evidencia ainda mais a alteração do conceito de titular. Com esta magnitude substitutiva, não são apenas trocas de jogadores, mas pode ser igualmente, uma radical mudança táctica e posicional. Por todas estas razões e tendo em conta a duração e a frequência de jogos numa época como esta, prefiro concentrar-me na valia de um plantel, mais do que na obsessão de uma equipa de titulares.

O meu Benfica será, como sempre, o centro das atenções desportivas e monetárias, seja do lado das entradas, como das saídas. Realce para a saga Lucas Veríssimo, ensanduichado entre o está-confirmada-a-transferência e o processo-complica-se-outra-vez. Confesso duas coisas: a minha falta de paciência para os dislates tontos de quem manda ou vai mandar (?) no Santos, e a minha surpresa pela rigidez das condições da transacção por parte do Benfica. Ora, se o rapaz é assim tão importante (e, se calhar, é mesmo perante centrais que não têm dado boa conta do recado) porque correr tanto risco e não antecipar a sua chegada para se ambientar e entrosar com o plantel?

5 - Confirma-se a regra. Quase sempre depois de um desvario contestatário por causa de uma situação de arbitragem, sucede um caso igual, mas de sinal contrário. No primeiro caso, alvoroço, comunicados, ameaças, boicotes, fulminantes irradiações. No segundo caso, silêncio, ausência, justeza e «não vi, ainda». Desta vez, calhou ao Sporting, ao seu presidente e ao seu treinador. Há uma semana, eis o delito de invalidar um golo aos leões por causa de um braço angélico a tocar num guarda-redes. Contra o Farense, eis a coragem de assinalar um penálti por causa de um braço agressor a tocar num jogador, depois de ter afastado a bola. Antes, o futebol não é basquetebol e pode haver contactos. Depois, o futebol é como o basquetebol e não pode haver contactos. Infelizmente não é só o Sporting a assim proceder. O vírus enviesado ganha sempre novas estirpes de incoerência, o que só dá cabo do futebol.

Entretanto, nestes tempos em que qualquer coisinha dá logo azo a uma avalancha estatística, será que terá algum significado a dos penáltis assinalados no campeonato? Vejamos: FC Porto 6 e SL Benfica 0, a favor e FC Porto 1 e SL Benfica 3, contra. A equipa encarnada até é uma das quatro que ainda não fizeram o gosto ao pé da marca de grande penalidade, fazendo companhia ao B-SAD, Tondela e Nacional. Mas depois de me lembrar de uns tantos assinalados a favor dos portistas, como o de domingo passado e em Paços de Ferreira e de não assinalados ao Benfica, como no Funchal, já nada me admira.

6 - Parece que Cavani corre o risco de ser castigado por ter tido a impertinência de, no Instagram, ter usado a expressão «gracias negrito», em resposta a um seu apoiante, depois de um jogo em que marcou o golo decisivo da vitória. O diminutivo do termo usado evidencia um tom afectuoso, que, no entanto, não foi suficiente para acalmar a ejaculatória Federação inglesa. Também Bernardo Silva foi punido com um jogo de suspensão e 60.000 euros de multa, depois de ter publicado na Internet uma imagem dos chocolates Conguito, ao lado de uma fotografia em criança de Mendy, amigo e companheiro de equipa no Manchester City. Este fundamentalismo federativo é tonto e completamente desproporcionado e corre o risco de ter o efeito contrário ao que deverá ser o sério e imprescindível combate contra formas racistas de estar no futebol. Qualquer dia, em termos equivalentes na língua inglesa, não se pode dizer que um atleta levou uma pancada e ficou com uma nódoa negra ou que a equipa ganhou por uma unha negra…. Enfim, cuida-se da aparência e descuida-se a essência.