Sporting, Amorim e João Pereira
Em Alvalade não irá aplicar-se, no pós-Amorim, a frase de Luís XV, «depois de mim, o dilúvio». João Pereira encontrará uma equipa com muitos recursos…
Antes de se dedicar ao Manchester United, a partir de 11 de novembro (o primeiro jogo no comando dos ‘red devils’ é com o Ipswich Town, a 24 de novembro, o que lhe dá semana e meia para trabalhar com os não convocados para as Seleções), Rúben Amorim tem dois exames difíceis, em Alvalade com o City, e na pedreira, com o SC Braga. É certo ou errado, manter um treinador que por muito que queira apontar o foco para estes dois jogos, terá a cabeça a mil com o projeto que vai abraçar a seguir? Do ponto de vista do Sporting, trata-se de uma decisão certíssima, a meu ver. Se as coisas correrem bem, o clube ganha; se as coisas correrem mal, é a última imagem de Rúben Amorim que fica chamuscada, mantendo-se incólume o sucessor, João Pereira, que se estreará em Alvalade com o Amarante para a Taça de Portugal, esperando-o apenas dois jogos de superlativa dificuldade até ao fim do ano, ambos em casa, com o Arsenal para a Champions, e com o Benfica para a Liga.
O que o futuro trará aos leões no pós-Amorim ninguém sabe, embora seja pouco provável que se siga o dilúvio, porque a equipa está bem oleada, baseada num plantel construído com competência, o que permite projetar uma evolução na continuidade quanto a métodos de trabalho e modelo de jogo. Porém, não será destituído de sentido afirmar que em qualquer grupo, no futebol ou fora dele, a questão da liderança não é coisa menor. O maior erro que João Pereira poderá cometer é querer imitar Rúben Amorim. Tem características de personalidade diferentes, fez um percurso como treinador que o levou por caminhos diversos, e deve, desde logo, mostrar aos jogadores quem é, e ganhar o respeito do balneário, circunstância essencial ao êxito na profissão de treinador de futebol.
O facto de vir da equipa B não o desqualifica, antes pelo contrário, dá-lhe aquele conhecimento interno – como sucedeu com Bruno Lage ou Vítor Bruno – capaz de resultar em resultados positivos imediatos. A prova de fogo de João Pereira estará na forma como irá lidar com os pesos pesados do plantel, impedindo que coloquem o pé em ramo verde. Lembre-se a forma como Rúben Amorim lidou com os casos de Mathieu ou Slimani, e ter-se-á uma perspetiva do que é cortar a direito, independentemente dos nomes. É tratando todos por igual, embora reconhecendo que são diferentes no peso que representam para a equipa, que se constroem grupos fortes e solidários.
Deve também ser evidenciado que Rúben Amorim passou a ser sinónimo de uma era dourada em Alvalade, e desde 1906 apenas Joseph Szabo, nos idos de 40 do século passado, fez mais jogos que ele à frente do Sporting. Mas a única verdade, aquela que ninguém deve esquecer, é que as pessoas passam e os clubes permanecem, renovam-se, reinventam-se, encontram novo heróis e vilões, como entidade coletiva transgeracional que são. Finalmente, houve uma frase de Rúben Amorim, após o jogo com o Estrela, que deve servir de reflexão para cada um de nós: «Tenho de viver com as minhas escolhas, e não com as dos outros.»