Silêncios estranhos

OPINIÃO29.12.202205:30

Presidente da FPF deveria ter sido célere a falar, fazendo síntese do que falhou e indicando caminhos para evitar repetições que nos desprestigiaram

APÓS o Mundial surgiram alternativas diversificadas, como consequência de atitudes e opções. Para lá da competição (na qual poderíamos ter alcançado melhor resultado) surgiram os habituais problemas e divisões, uns por ego a mais, outros por ausência de ação. Há sempre quem esteja presente, mas com um pé dentro e outro fora, para poder sair sem apanhar as pingas da chuva. Contudo, há temporais que provocam dilúvios e que nos fazem retroceder para posições que se julgavam que nunca iriam acontecer, pelo menos da forma como ocorreu. A ausência de som do presidente da FPF foi inexplicável, sem capacidade de antecipação, nem de mobilização e ainda sem a liderança eficaz, poderosa e decisiva que um presidente deve manter, na altura das grandes e obrigatórias decisões. Há casos em que nenhum guarda-chuva, por maior que seja, consegue evitar a molhadela.

Em vez de agir no tempo certo, surgiu o vício de lideranças que se limitam a aguardar e desejando esquecimentos rápidos, em vez de agir com celeridade e responsabilidade, assumindo o poder de que está investido por eleições, deixando correr como um cidadão comum, sem escolher o rumo. E nessa incerteza e tardia prova de vida, o conflito agrava-se e, sem uma sentença de poder, vai-se atrás da bola que foge até que o esquecimento se atenue e o silêncio persiga como companheiro de eventuais soluções que nunca resolvem os erros do passado, com uma fuga para a frente. Estarão envolvidos muitos milhões que se tornaram desperdício inaceitável, porque destroem valores e verbas elevadas. Não basta procurar o próximo selecionador nacional, depois da natural rescisão contratual. A escolha vai obrigar a um recomeço de processos, a pressões de muitos agentes para colocarem o próximo selecionador, às constantes sugestões que, por vezes, queimam intencionalmente eventuais candidatos para se começar o baile da decisão.

Não basta motivar com «vamos à procura de novas vitórias», mas antes com transparência e liderança, regras bem definidas e evitando recusas de convocados… Critérios são conceitos raramente prioritários, porque em vez de colocar o futebol no topo da pirâmide a próxima luta incluirá a futura mudança de presidente, em função dos estatutos. Porém, a cerca de dois anos para as eleições, a questão do selecionador é urgente e a preparação das eleições poderá complicar o que o país e o futebol mais precisam: equilíbrio e competência. O mais curioso é o facto desta questão da desoladora prestação no Mundial ter sido criada também por ação direta do capitão e do eventual mal-estar do balneário desunido.

O presidente da FPF deveria ter sido célere a falar ao país, fazendo uma síntese do que falhou e indicando caminhos para evitar repetições que nos desprestigiaram: seja quem for que não saiba cumprir a responsabilidade de representar Portugal, não tem dimensão para essa função. Permitiram-se egoísmos e acusações públicas que nunca se podem tolerar. Uma seleção nacional obriga-nos a defender as nossas cores e bandeira: Portugal acima de tudo. E se durante anos fomos construindo uma valiosa equipa de todos nós, com prestígio internacional, agora teremos de reconstruir outra com maior unidade e vacinada contra vaidades exageradas e intoleráveis. São muitas as consequências, mas para as evitar exige-se capacidade para recolocar a nau a navegar com prestígio. Nos sucessos é fácil aplaudir e louvar, nos insucessos, e logo desta dimensão, é urgente arregaçar as mangas e partir para nova aventura com determinação.

Entretanto, os países nórdicos continuam a demonstrar oposição às tutelas internacionais e a federação russa de futebol pretende sair da UEFA para integrar a AFC (Confederação Asiática), a FIFA precisa de evoluir com rapidez. Mais do que um grande negócio, o futebol carece de união, de justiça, de controlo dos fluxos monetários e não desvalorizar completamente as competições nacionais.

Por outro lado, correm informações de que Cristiano Ronaldo pode já ter assumido eventual contrato com o Al-Nassr, com o apoio e aconselhamento do seu assistente pessoal, que se deslocou a Riade para tratar dessa possível contratação. A liberdade é um valor fantástico. A probabilidade de contrato fabuloso para jogar na Arábia Saudita, por valores muito elevados, poderá confirmar desejo de prosseguir a sua carreira. Contudo, esse compromisso poderá incluir certamente outras funções para avançar com a decisão da escolha de quem vai organizar o próximo mundial em 2030 (a anunciar em 2024). Para lá da possibilidade de contratação de CR7 para jogar, por inerência, ele poderá desempenhar as funções de embaixador da candidatura da edição conjunta do Mundial, pela Arábia Saudita, Egipto e Grécia. Saímos do Catar (e das denúncias sobre a violação dos direitos humanos) para continuar noutra região em que se passa a mesma desumanidade?! E, além disso, um campeonato em três Continentes nunca será uma boa opção para a competição, embora possa render mais verbas.

Segundo a comunicação social, Ronaldo poderá assinar pelo clube da Arábia Saudita (ou surpreender com outra opção), o que é natural nesta conjuntura, embora discordemos que um português, que sempre teve o forte apoio das instituições, a boa relação e admiração dos portugueses para com o nosso maior craque, possa ser considerado como adversário da candidatura Portugal/Espanha/ Ucrânia, na escolha do Mundial de 2024. Mas tudo isto poderá ser apenas um baralho de cartas valiosas, muito instáveis. É verdade que Cristiano foi indispensável para o reconhecimento global do nosso futebol e também pelos troféus, títulos e recordes mundiais que alcançou. Por outro lado, qual fatalismo que nos prejudica, são eventuais decisões dessas que nos fazem recordar, com tristeza e mágoa, as braçadeiras de capitão deitadas ao solo e até a palmada na criança na saída de um jogo da Liga inglesa. A pressão sobre o nosso craque é excessiva e, por isso, temos de aceitar que há momentos mais infelizes e mais emotivos, o que dificulta decisões mais adequadas.

Há sempre tempo para analisar com serenidade e pensar o que é mais importante, quer para Cristiano quer para Portugal. Agradecemos os momentos áureos que guardaremos sempre como património valioso do nosso futebol, mas como tudo na vida, quando não se consegue manter a humildade, que deve ser o símbolo dos maiores de sempre, a vida continua, ficam memórias, mas também um vazio emocional que deixa muita tristeza. Cada um sabe o que pretende e como pretende ser recordado. Mas Cristiano Ronaldo, como é seu hábito, gosta de criar expectativas que alimentem as redes sociais…

Entretanto, o Mundial do Catar provocou diversas alterações nos campeonatos nacionais. Em vez de uma divisão em duas voltas, desta vez desequilibrou-se a competição entre uma fase curta e outra bem mais longa. As consequências deverão ser acompanhadas com rigor e reflexão, assim como as escolhas porque o mercado de seleção de transferências foi-se antecipando. Entretanto, o futebol prossegue o seu caminho, mas sem esquecer marcas que o tornaram imortal. Ao longo de várias décadas, foram-se alterando competições, criando outras, surgiram provas internacionais, cada vez com maior dimensão e verbas muito elevadas.

O negócio cresceu de forma célere bem como os craques, aqueles que inventavam jogadas únicas, defesas espantosas e golos de outro mundo. Em todos os países, com a crescente globalização, os mais jovens e não só, além do seu clubismo passaram a ter preferências de jogadores que, para cada um, era especiais.  E se não faltam listas com o nome de muitos jogadores que se tornaram imortais, por outro lado, os novos talentos vão crescendo de popularidade e construindo legiões de fãs, independentemente dos clubes de que são adeptos. Mesmo após transferências, o apoio ao craque mantém-se, a não ser que se perca na vaidade deslumbrante e nas atitudes intoleráveis. Neste preciso momento, Pelé, para muitos o melhor de todos os tempos, com 82 anos, está a tentar resistir a doença grave.

Edson Arantes do Nascimento trava um jogo complexo com previsão inevitável, mas Pelé, o rei, o que tabelava a bola nas pernas dos adversários, o que controlava a bola passando-a por cima da cabeça dos defesas e a recolhia na frente, sem deixar que ela tocasse o solo, porque enviava-a para dentro da baliza… será sempre eterno! Aqueles que tiveram a oportunidade de o ver jogar transmitam aos mais jovens o que representa para o futebol. Claro que existem mais ídolos, uns já partiram e outros continuam a maravilhar pela excelência do seu jogo.
 

O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO

NOVO ano, vida nova. De facto, em termos psicológicos, todos desejamos felicidades para os 365 dias do novo ano. Formulamos votos, metas e comportamentos que nos permitam ter mais sucesso e bem-estar. Ao futebol, desejamos muitos golos, sem lesões graves, muitos adeptos nos estádios aplaudindo os seus clubes, sem violência, mas com paciência. Aos treinadores, que consigam manter as estratégias, sem simulações nem perdas de tempo desnecessárias, procurando sair das entrevistas rápidas com tranquilidade. Aos árbitros desejamos que sejam coerentes, sempre com a mesma atitude e evitando sanções para uns treinadores e nem um aviso para outros. A qualidade dos jogos depende do valor das equipas, mas com muita influência no desempenho da arbitragem, porquanto nuns jogos são mais tolerantes e noutros mais exigentes. É indispensável que o critério seja sempre o mesmo e vale a pena refletir na prestação da árbitra francesa Stéphanie Frappart, porque é um modelo qualificado de arbitragem que ajuda a desenvolver o futebol.
 

REMATE FINAL

— Ontem, dia 28 de dezembro, o presidente Pinto da Costa celebrou o seu aniversário. Que prenda fantástica que ofereceu ao Universo Porto com os episódios de ‘Os Homens do Presidente’, no Porto Canal, numa conversa solta e fluída, com histórias memoráveis, com Rui Cerqueira, transmitindo factos de 14 treinadores que se destacaram com diversos títulos no clube. Em grande forma, demonstrou a sua capacidade de acertar nas escolhas que fez, em função da sua extraordinária análise e conhecimento do universo do futebol, comprovando a sua perspicácia e liderança inteligente. É sempre agradável ouvir as suas palavras elogiosas (publicadas nos órgãos de comunicação social escrita) do melhor presidente do mundo. Muitos parabéns com admiração e forte amizade! Recebeu duas prendas de grande valor: no início da tarde, no Dragão Caixa, assistiu à vitória do FC Porto sobre o Imortal, em basquetebol, e mais tarde, no Estádio do Dragão, o clube brindou o presidente com uma goleada (com hat trick de Taremi) sobre o Arouca com todo o estádio num aplauso global.

— Um bom ano para todos.