Schmidt e os seus dois amores
O treinador alemão dá a sensação de ter andado para trás e não ser capaz de extrair o rendimento que deve exigir-se de um plantel que é um luxo
A primeira parte do Benfica em Vizela foi um encanto de futebol para todos e a segunda um suplício para o seus adeptos, tal como se verificara em Barcelos, diante do Gil Vicente, prova de que estas intermitências nenhuma relação têm com as férias concedidas aos jogadores. A questão é mais complexa e foi assinalada por José Manuel Delgado na sua crónica do jogo, em A BOLA.
Tal como escreveu, ao brilhantismo da exibição não correspondeu o necessário «instinto matador» e isso é preocupante porque equipa que é campeã, e quer repetir a proeza na presente temporada, não pode permitir-se a desempenhos tão inconsequentes, de que são exemplos evidentes os dois últimos jogos fora, porque a história do primeiro, derrota no Bessa, é mais difícil de contar.
Ninguém ousa duvidar do valor do plantel do Benfica nem da virtuosidade do futebol que pratica. O que se questiona é a (in)consistência do colectivo e a sua deficiente atitude competitiva, aparentemente programada para dar espetáculo na primeira parte e controlar na segunda, o que, em teoria, nem estará errado desde que à maravilha do jogo exibido corresponda superior eficácia concretizadora. Porque jogar bonito sem marcar golos é o mesmo que caçar com uma fisga.
Em semana da Liga dos Campeões, perpassa a ideia de a águia ainda não ser capaz de voar alto durante noventa minutos. Em Vizela, revelou oscilações preocupantes, mas nem assim ficou abalada a ideia de Roger Schmidt. Fiel às suas convicções, o treinador alemão acredita muito nos titulares por si escolhidos, de aí a relutância em mudar por mudar porque, no seu entendimento, ao gerarem sucessivas oportunidades para concretizar, os encarnados deram sinais de saúde e confiança, embora apenas tivessem assinado dois golos, quando podiam, e deviam, ter apontado mais.
O futebol é assim, sublinha Schmidt, na defesa de uma tese que enriquece a discussão e merece o mesmo respeito de qualquer outra, mas a verdade é que ganha quem marcar mais golos e não quem oferecer melhor espectáculo futebolístico. Apesar de na última época ter feito muito com pouco, sendo a conquista do título 38 a melhor prenda que poderia oferecer à nação benfiquista, que lhe está profundamente grata por isso, dispondo hoje de um grupo com ricas soluções, estranhamente, o treinador alemão dá a sensação de ter andado para trás e não ser capaz de extrair o rendimento que deve exigir-se de um plantel que é um luxo.
Curiosidade tenho eu em ver como vai Schmidt coabitar amanhã, no relvado da Luz, com os seus dois amores. É claro que o Salzburgo é passado, mas foi lá que se projetou e foi lá que ficou a semente de um futebol que enche estádios, arrojado e empolgante, a mesma que trouxe para o Benfica com o objetivo de colher riqueza e sucesso.
O futebol que deixou saudades entre os adeptos do clube austríaco será muito parecido ao que já convenceu boa parte dos benfiquistas, razão pela qual volto a trazer o assunto à colação: a seguir ao jogo com o Gil Vicente, o jornalista Luís Mateus, um estudioso do treinador alemão e autor do livro Schmidtologia - as ideias do revolucionário que chegou, viu e conquistou a Luz, que naturalmente recomendo, escreveu no seu espaço de opinião em A BOLA que lhe falta «fechar de vez o capítulo Salzburgo, onde queria atropelar os rivais», resistir a essa tentação e adaptar a sua filosofia à realidade portuguesa, construída de artifícios tácticos que, do meu ponto de vista, a praga dos três centrais veio acentuar. Não o esquema em si, mas a forma como é interpretado, promotora de estratégias ultra defensivas e desinteressantes. Além de outros pecados, um deles imediatamente identificado pelo avançado sueco do Sporting, Viktor Gyokeres, o qual, apesar de reconhecer que deve ter mais cuidado com os braços, colocou o dedo sobre uma ferida por sarar, criticando o que se permite fazer nos jogos, através de um futebol muito físico, com mais interrupções e simulações em comparação ao que estava habituado em Inglaterra.
Amanhã, em noite de Liga dos Campeões, Schmidt pode receber aplausos da falange de apoio do Salzburgo, porque a gratidão fica sempre bem, mas está obrigado a demonstrar-lhe que é mais e melhor treinador e que o seu grande e único amor se chama Benfica.
Nota final - O FC Porto perdeu Uribe e Otávio, mas o astuto Pinto da Costa sugeriu João Moutinho ao seu treinador. Este, a recuperar de intervenção cirúrgica, terá evitado uma resposta comprometedora. O jogador, sem paciência para esperar, assinou pelo SC Braga, onde se sentiu «desejado, útil e querido». Conceição terá ficado aliviado e António Salvador convencido de que deixara o dragão indignado. Ainda agora a corrida começou, mas o FC Porto segue no frente da classificação, enquanto o SC Braga está no meio do pelotão, atrás de Boavista, V. Guimarães, Casa Pia e Famalicão. Eis a diferença entre portistas e braguistas. Os primeiros são candidatos ao título, os segundos gostariam de ser…