Editorial: Ver o Benfica a ouvir Chopin
Schmidt trouxe «um futebol de luxo feito para apreciar, criado para o deleite do adepto»
Foto: IMAGO

Editorial: Ver o Benfica a ouvir Chopin

OPINIÃO18.09.202309:32

O futebol do Benfica de Roger Schmidt tem um problema. De tão belo, até se esquece do golo

Interessante discutir o futebol que Roger Schmidt trouxe ao Benfica. José Manuel Delgado lembrou, e bem, que é um tipo de futebol a que Eriksson chamava futebol champanhe. Um futebol de luxo feito para apreciar, criado para o deleite do espectador e do adepto, imaginado para deslumbrar antes de entusiasmar. 

Será, sem dúvida, um futebol que precisa de grandes intérpretes, para cumprir o circo, retendo a bola o mais tempo possível, roubando-a ao adversário, dispondo dela para um exercício romântico do jogo, multiplicando-se em passes curtos, em dinâmicas organizadas, dominando o jogo, impedindo o adversário de jogar, obrigando-o à tarefa operária de passar o tempo a correr atrás da bola. Mas tem um problema. É um futebol que de tão belo se esquece do fundamental: a importância do golo. O golo é a primeira e decisiva razão de um jogo. Marcar mais do que sofrer e, para marcar, não basta ser dominador nessas estatísticas com que se deleitam os teóricos da bola. Para marcar é preciso ter um lado prático, uma visão objetiva. Um instinto matador. Não há equipas ganhadoras sem esse instinto. Podem ser exemplares na arte de bem jogar em todo o campo, mas isso não basta para vencer jogos e para conquistar campeonatos. 

É estranho, para um treinador de cultura alemã, a invenção de uma equipa que tem por principal característica a qualidade estética e que faz prevalecer o espectáculo sobre a condição de ganhar. Mais estranho ainda porque este mesmo treinador já teve, no Benfica, uma época de sucesso, na qual foi pragmático quanto à intenção prioritária de ganhar os jogos, através de uma pressão alta, por vezes, avassaladora e até intimidatória e um futebol de posse, sim, mas que tinha os olhos postos na baliza adversária.

É verdade que já se notava em Roger Schmidt uma total relutância pela ideia de rotatividade. Uma convicção, talvez mesmo teimosia, em escolher os mesmos em qualquer circunstância individual ou do jogo. Porém, não se lhe conhecia o gosto especial por um futebol de renda de bilros, um futebol que deve ser acompanhando com um fundo de Mozart ou de Chopin.

Salvo melhor opinião, ou desmentido prático, julgo que o Benfica tem de se fazer regressar à realidade competitiva. E se isso não acontecer, vai ter muitos amargos de boca.

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