Rúben Amorim na fronteira entre Sporting e Manchester United
Rúben Amorim na fronteira entre Sporting e Manchester United
Foto: IMAGO

OPINIÃO Rúben Amorim: 9.0 na escala de Richter

OPINIÃO31.10.202409:15

A relação entre Sporting e Rúben Amorim, um amor eterno enquanto durou. Eu sou o Jorge Pessoa e Silva e esta é a crónica semanal do meu Livro do Desassossego.

Há casamentos que nos parecem tão perfeitos que acreditamos serem eternos. O do Sporting com Rúben Amorim é um deles. Tenho 54 anos de vida e em Portugal não me lembro de uma ligação tão emocional e tão singular entre um treinador e os adeptos de um clube. Lá por fora, de mais parecida, a relação de Klop com os do Liverpool. Nestes casos, qualquer divórcio é a realidade a entrar pelos olhos dentro: o amor só é eterno enquanto dura. Mudemos o foco, como explica Vinícius de Moraes no Soneto da Felicidade:

«Eu possa lhe dizer do amor (que tive)

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.»

Rúben Amorim merece a oportunidade de treinar um clube como o Manchester United. Diria mais, este Manchester United. Um gigante desorientado. O clube no qual mais sentido faz um novo «e se corre bem?». Mas Rúben Amorim não merecia sair agora do Sporting. Tenho a certeza, desejaria o mesmo que aconteceu com Hugo Viana. Fechava já o acordo para a próxima época, mas acabava esta a lutar para que, esta, terminasse no Marquês.

A confirmar-se, a saída de Amorim, nesta fase, é um 9.0 na escala de Richter. Basta ouvir os adeptos. Mágoa e tristeza foram as duas palavras que mais ouvi. Poucos estão mesmo zangados com Amorim, poucos o vão acusar de traidor ou de librateiro. A maioria está entre o incrédulo e o magoado, num sentimento de vazio. E, no fundo, até compreende a iminente decisão, mas nunca o timing. A sair agora, por vontade do próprio, fica um vazio enorme, uma deceção que não se explica e que Rúben também percebeu ao dizer, na conferência de imprensa após o jogo com o Nacional, que encontrou o ambiente mais «estranho» que já sentiu em Alvalade e que o sentiu logo no balneário na palestra de lançamento do jogo. Sentiu a deceção dos jogadores, alguns dos quais a quem tinha pedido para ficar, comprometidos, mais um ano, com Gyokeres à cabeça. Alguns, sentem que Amorim os desilude.

Quebra-se o chip que permitiu uma mudança de mentalidade em todo o universo leonino, criando-se clareiras que serão aproveitadas pelos Velhos do Restelo regressarem em força para sussurrarem «isto vai correr mal…».

Por muito estranho que possa parecer o que vou dizer, e passe o exagero, do ponto de vista do sucesso desportivo melhor seria que os adeptos e os jogadores ficassem mesmo zangados com Amorim e lhe chamassem todos os nomes. Porque a revolta é um poderoso gatilho que convoca à ação. Perigosos mesmo são o conformismo e o desalento. Perigoso é o «ambiente estranho» que convoca à paralisia.

Podem os realistas apregoar que ninguém é insubstituível. Balelas. Em termos de conhecimento técnico, claro que há muitos treinadores tão bons e melhores do que Rúben. Mas a competência técnica é apenas 50 por cento do que é exigido a um grande treinador, como me explicou há mais de 20 anos, desenhando um gráfico numa folha de papel, o saudoso treinador António Medeiros. É nos outros 50 por cento que encontramos o carisma, a ligação afetiva, a liderança. É pelos outro 50 por cento que os adeptos se apaixonam.

Substituir um líder tão marcante como Rúben Amorim – e há vários exemplos no futebol como nas empresas – é um processo duro. Porque é emocional antes de ser profissional. Porque esvazia balões que sugaram todo o ar antes de voltarem a ser cheios. Não invejo a missão de João Pereira, chamado a preencher mais vazios do que é justo pedir-lhe. E Frederico Varandas é agora convocado a testar todas as competências. A ser garante de estabilidade e tomar decisões vitais. A provar a solidez dos alicerces de um novo Sporting, resistentes até a um terramoto, alicerces que também ajudou a construir e com brilho.

O Sporting seguirá o seu caminho como clube grande. E Rúben fará o seu caminho. O que criou no Sporting dará um dia uma tese de doutoramento sobre liderança.

Na vida nem sempre se consegue ter o melhor de todos os mundos. Nesta fase, Amorim acredita que o projeto pessoal se deve sobrepor ao do Sporting e, juro por tudo, não é uma crítica, é um facto... Não sou moralista. Mas Rú:ben sabe que ao trocar de amor, ao colocar em risco um objetivo nesta fase da época, não continuará a ser amado da mesma maneira pelos sportinguistas e que será confrontado quanto à coerência do que tem dito nos últimos anos. E seria uma pena. Ficará, assim o espero por ser justo, o respeito, a gratidão e uma história bonita para contar.

O amor, de facto, é eterno enquanto dura.