Pedrinho chorou. E eu também...
Pedrinho disputa lance com António Silva (GRAFISLAB)

OPINIÃO Pedrinho chorou. E eu também...

OPINIÃO24.10.202409:00

Nas lágrimas do capitão do Pevidém vejo um homem que descobriu onde está a felicidade. Admiro-o por isso. Eu sou o Jorge Pessoa e Silva e esta é a crónica semanal do meu Livro do Desassossego

Nas lágrimas de Pedrinho eu vejo muito do melhor que o futebol tem. O capitão do Pevidém, na flash interview do final do jogo da Taça, com o Benfica, mal conseguia articular as palavras, em choro emocionado, mas foi de uma clarividência absoluta para transmitir o que lhe ia na alma: o profundo orgulho por ter jogado aquele jogo. Não por um qualquer fascínio especial pelo Benfica numa atitude reverencial; não por admiração especial por qualquer jogador das águias; mas por um profundo orgulho de ser jogador do Pevidém, pelas suas gentes, por uma vila que foi tão grande quanto Lisboa. Depois das festas em honra de São Jorge, com Missa solene a 27 de abril, o jogo da Taça foi um segundo ponto alto de 2024, de uma certa maneira uma nova romaria identitária.

A Taça de Portugal é uma prova linda, autêntico serviço público que põe os portugueses a descobrir… Portugal. E é uma prova absolutamente democrática, não porque dá a todos as mesmas oportunidades – os mais fortes e ricos continuam a ser mais fortes e ricos – mas porque permite que todos se possam sentar à mesma mesa. Também por isso se chama prova rainha. E, à imagem de D. Isabel, tornando os jogos não numa luta de David contra Golias mas num permanente milagre das rosas.

A Taça de Portugal dá também a soberana oportunidade a jogadores que militam nessas divisões mediaticamente escondidas de, por uma vez que seja, sentirem o cheiro e o sabor dos grandes jogos e dos maiores palcos. Por uma vez que seja, o sapo pode transformar-se num formoso príncipe.

Pelo impacto social que estes jogos se podem revestir, em especial quando a relação de forças é desproporcional, os clubes grandes deveriam ser obrigados a usar sempre a melhor equipa. Uma forma de agradecerem aos adeptos a paixão com que alimentam a modalidade e de prestarem homenagem a todos os jogadores que sonham, ao iceberg da qual os clubes grandes são apenas a ponta. No fundo, até por responsabilidade social. Sabendo que esse respeito só se completa dando tudo em campo, sem qualquer ponta de condescendência que acabaria por ofender os jogadores adversários.

Talvez o menino Pedrinho, na formação do Vitória, em Guimarães, tenha sonhado com os maiores palcos do Mundo. Aos 33 anos, o capitão do Pevidém – depois da declaração de amor ao clube e um sentido e bonito agradecimento a outros capitães e jogadores que o antecederam e que mereciam ter jogado este jogo – desabafou: «Tive uma carreira que muitos apelidam de fracassada. Podia ter ido a outros patamares, mas fui feliz. Estou feliz e isso ninguém me tira».

Meu caro Pedrinho, como jogador podes não ter ido aos tais patamares que sonhaste e que o teu talento justificariam. Mas como homem atingiste um patamar que me faz admirar-te profundamente. Percebeste que a felicidade não está nos lugares onde nunca estiveste e gostarias de ter ido. Descobriste que a realização profissional depende apenas do que deste de ti em cada momento e em cada local. Depende da marca que continuas a deixar e de uma consciência plena de que, ao dares o melhor, com amor pelo que fazes e vontade de partilha com os outros, encontras dentro de ti o que muitos procuram noutros locais numa insana busca em lugares nenhuns. E aprendeste que o teu sucesso no Pevidém não se pode explicar sem a herança de todos quantos, no passado, contribuíram para o crescimento do clube que representas. 

A 24 de outubro de 1857 nascia o mais antigo clube de futebol do mundo, o Sheffield Football Club, de Dronvield, Inglaterra. Clube desde sempre amador e que festeja hoje 167 anos em atividade, competindo nas divisões regionais de Inglaterra. Em 2004 recebeu da FIFA a Ordem de Mérito, galardão atribuído a apenas mais um clube: Real Madrid, o melhor clube do Século XX. No universo imenso que separa os dois clubes encontramos a essência do futebol.

Separados por 167 anos, o que têm em comum os jogadores Nathaniel Creswick e William Prest, fundadores do Sheffield FC, e Pedrinho, capitão do Pevidém? A paixão pelo futebol. Pura paixão.

Relendo o texto, decido agora que quero mudar o início: nas lágrimas de Pedrinho eu vejo muito do melhor que a vida tem.