Reflexões sobre o relatório da FIFA

OPINIÃO19.02.202305:30

Portugal foi a quinta liga que mais jogadores transacionou e a única nesta lista sem fazer parte do top-5 do ranking da UEFA

A FIFA divulgou, no final de janeiro deste ano, o FIFA Transfer Global Report, um relatório exaustivo sobre o mercado de transferências, em 2022, cuja análise nos permite realizar uma radiografia ao futebol mundial e compreender a estratificação da indústria e o papel que o Futebol desempenha no nosso País. Desde logo, o documento confirma a normalização do mercado de transferências, depois de fortes constrangimentos provocados pela pandemia Covid-19.

Em 2022 foram realizadas mais de vinte mil transferências, envolvendo 4770 clubes das seis confederações a 182 dos 211 membros da FIFA, com 17291 jogadores, de 183 nacionalidades. A idade do jogador transferido também é um bom barómetro para o perfil de atleta. 54 por cento dos negócios foram com jogadores entre 18 e 23 anos, o que nos mostra a estratégia assente em modelos de prospeção, desenvolvimento e valorização de talento.

O futebol português aparece em claro destaque no relatório da FIFA. Portugal foi a quinta liga que mais jogadores transacionou e a única nesta lista sem fazer parte do top-5 do ranking da UEFA. O jogador português é destacado nas nacionalidades dos atletas transferidos, numa lista liderada pelo Brasil, ainda hoje um dos maiores exportadores de Talento. No top-10 dos clubes com mais jogadores transferidos estão três emblemas nacionais e no top-10 das transferências mais avultadas do ano figuram dois atletas que saíram diretamente da Liga Portugal bwin para a Premier League e ainda Raphinha, que despontou em Portugal e daqui saiu para outros patamares. Sintomático, também, é constatar que Inglaterra é o denominador comum e que a Premier League continua a absorver os restantes campeonatos. Até aqui Portugal está em destaque: fomos a quarta liga que mais vendeu para Inglaterra, com volume de negócios superior, por exemplo, a Itália e Países Baixos.

Estes resultados possuem várias leituras, que nos devem levar a reflexões. Desde logo o sucesso dos modelos de formação e prospeção por parte dos Clubes do Futebol Profissional. E não pode existir melhor forma de comprovar o trabalho desenvolvido por Clubes, Jogadores e Treinadores, da base até ao topo, do que observar o impacto imediato que os nossos embaixadores têm quando rumam a outros contextos competitivos.

Mas, do outro lado da moeda, temos de nos questionar sobre que resultados conseguiria a nossa indústria se o nosso sector conseguisse ter outras condições que lhe permitissem por um lado reter o Talento que produzimos por um pouco mais tempo, e por outro fossem garantidas condições mais aliciantes que fomentassem a captação de jovens talentos ainda em desenvolvimento, potenciando ainda mais o modelo de sucesso em que está alicerçado o futebol profissional.

Num passado recente, vimos o primeiro-ministro, António Costa, declarar que determinadas empresas, pelo papel estratégico que assumem para o País, necessitam para conseguirem ser competitivas de um plano de incentivos e salários ajustados ao contexto internacional do sector onde atuam, como é o caso dos transportes aéreos. Será que o Desporto Português, e em concreto o futebol - indústria que mais promove a marca Portugal pelo mundo -, não mereceria um plano de apoios e estratégias de incentivos também elas ajustadas ao contexto internacional em que competem? Se ainda assim o Desporto Português vai conseguindo posicionar-se internacionalmente a um nível que poucas atividades portuguesas conseguem, que patamar alcançaríamos se o Estado garantisse - apenas - os mesmos meios dos nossos concorrentes externos? Em Itália, por exemplo, o Governo criou um regime fiscal que permitiu à Série A atrair mais jogadores estrangeiros de nomeada e reter, por mais tempo, os futebolistas nacionais. Dos 26 atletas que conquistaram o Euro-2020, só quatro não jogavam na Série A.

O Presidente da Liga Portugal, Pedro Proença, e a sua Direção, através do caderno de Medidas Políticas, sinalizou, junto do Governo e Grupos Parlamentares, várias propostas que seriam estruturantes e com impacto imediato na competitividade do sector. Um novo enquadramento fiscal é uma delas, mas também podemos assinalar o reforço do reconhecimento do Futebol nas pastas da Economia e nas Finanças e o processo de Centralização dos Direitos Audiovisuais, este último felizmente já em curso.

Ainda esta semana foram revelados os dados das Apostas Desportivas pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, com esse número redondo (e revelador) de quatro mil milhões de euros movimentados nos últimos cinco anos. Três em cada quatro apostas online são no Futebol, com a Liga Portugal bwin a concentrar a maior fatia das apostas. Grande parte deste valor, todavia, não chega aos Clubes, aos Jogadores e aos Treinadores, no fundo, a quem gera o Talento, devido a uma portaria que determina a distribuição das receitas provenientes das Apostas Desportivas. Se conseguimos tanto com os meios que possuímos, como seria com outro reconhecimento?