Público nos espetáculos desportivos (Um módico de bom senso)

OPINIÃO20.04.202107:00

Tratar por igual, o que é diferente no contexto, na escala e no enquadramento institucional é um absurdo que só a teimosia, a má vontade e a preguiça intelectual podem explicar

ADireção-Geral da Saúde  decidiu graduar o risco das diferentes modalidades desportivas. Nem sempre o fez bem, porque tendeu a ignorar os pareceres das organizações desportivas e escapou-lhe o detalhe de muitas das disciplinas desportivas. Mas o princípio da graduação do risco foi, em si, correto.
O mesmo não se passa com a presença de público na assistência ao espetáculo desportivo. Tratou todas as modalidades desportivas por igual: proibido.
Neste, como em muitos outros problemas do sistema desportivo, existe uma crónica tendência de olhar para as diferentes modalidades desportivas pelos problemas de apenas um segmento de uma delas, onde o risco sanitário é diferente e onde, porventura, a pressão para o regresso dos públicos é também maior, o que acaba por penalizar todo o sistema desportivo.
Há espetáculos desportivos em espaços abertos e outros em espaços fechados. Uns atraem algumas dezenas ou centenas de espectadores, outros milhares. Uns têm lugares sentados, noutros a mobilidade é permanente. Nuns o barulho é constante, enquanto noutras o silêncio é um imperativo. As próprias dinâmicas e cultura das modalidades no comportamento dos espectadores é distinta.
Nesse sentido a abordagem deste problema, e sobretudo a adoção de medidas progressivas de regresso do público às competições desportivas, tem de ser feita num quadro de avaliação casuística, um pouco à semelhança do regime que foi adotado para o regresso aos treinos e competições das diferentes modalidades desportivas. Avaliação essa que deve também levar em linha de conta os escalões de competição a que nos estamos a referir.
Tratar por igual, o que é diferente no contexto, na escala e no enquadramento institucional é um absurdo que só a teimosia, a má vontade e a preguiça intelectual podem explicar.
E não precisamos de sair do desporto ou ir recolher experiências em atividades e espetáculos vulgarmente designados como culturais. Bastaria que ao espetáculo desportivo se aplicasse um regime de graduação de risco similar ao aplicável às próprias modalidades desportivas.
A presença de público em muitos espetáculos desportivos de ar livre é, infelizmente, residual e chega a ser ridículo impor limitações a essa presença quando estamos a falar de algumas centenas de pessoas em espaços amplos que, em circunstância alguma, constituem um risco acrescido a qualquer fenómeno de contágio.
Mesmo em recintos fechados há disciplinas desportivas que permitem regimes de segregação e separação mais do que seguros para que se possa garantir a presença de público. Quantos de nós não assistimos já, em ambiente familiar, a competições jovens, onde estão 40 ou 50 pessoas num pavilhão de grandes dimensões, numa taxa de ocupação que é infinitamente inferior à de qualquer loja atualmente aberta?
Não ignoramos que sempre que se aborda a presença de público nos espetáculos desportivos está subjacente a questão do futebol e sobretudo as suas organizações de topo, em especial as competições profissionais.
Importa reconhecer que foram feitas experiências no passado no futebol, com limitações na presença de público e que correram bem. Nada impede que se realizem experiências similares. Importa ter também apurada noção da importância da retoma das atividades desportivas e da sua promoção, desde logo em matéria de saúde pública.
 

Nos Açores, alguns jogos do Santa Clara já contaram com adeptos na bancada, embora em número restrito


O QUE SE PASSA ENTÃO?

Aexperiência evidencia que as autoridades de saúde pública têm um registo permanentemente rígido, retrospetivo, lento e pouco eficaz perante uma realidade desportiva que não dominam, mas em que não querem assumir essa ignorância. Contrariamente, atuam com uma suposta autoridade técnica, quando não moral, que o seu passado em matéria de conhecimento da causa desportiva não cauciona, nem legitima. Mas para atuar coma atuam é porque tem respaldo político. E este tem-lhe sido dado pela liderança governamental, incapaz de juntar os argumentos objetivos para que a análise e as decisões sejam outras, por mais abundante que sejam os exemplos, evidências e orientações emanadas de entidades de referência.

*Presidente do Comité Olímpico de Portugal