Pressão neles e em nós
O Benfica deve ter papel cimeiro na pressão por arbitragem melhor, mas não sei se o conseguirá gritando quando perde jogo que tinha de vencer
Avida dá muitas voltas. Quando tudo nos levava a crer que este seria um final de época como nenhum outro que tínhamos vivido até hoje, eis que a realidade se impõe com brusquidão e nos devolve aos lugares já conhecidos, a lugares onde não queremos voltar. A equipa parece ter sentido o peso assoberbante das possibilidades que tinha diante de si. Perdida a eliminatória frente ao Inter de Milão, nem por isso estou convencido de que esta equipa não poderia ter feito mais na Liga dos Campeões. Mas uma combinação de erros de jogadores, de treinador, proverbiais azares que só parecem acontecer connosco, e a ocasional decisão dúbia da arbitragem, pareceram conspirar para nos privar não das meias-finais, mas de um troféu que parecia destinado.
O futebol tem formas muito cruéis de nos relembrar a realidade, mas felizmente é também misericordioso. Há sempre mais um jogo a preceito para a redenção ou, vá lá, para uma moderada recuperação da confiança. Foi o que se passou este domingo frente ao Estoril, num jogo em que vimos uma equipa mais aguerrida mas ainda cheia de hematomas existenciais que, não impedido ninguém de correr, parecem ainda macular a confiança inabalável que nos movia.
A vida dá muitas voltas. Testa a nossa fé, em Deus ou no João Mário. Faz-nos duvidar de tudo. Torna-nos especialistas em catástrofes, engenheiros do ceticismo, e, se não tivermos cuidado, arquitetos da desgraça. Metade das análises que leio, metade das conversas de café, cerca de um quarto das conversas com que me cruzo involuntariamente na rua, na repartição das finanças, ou nos elevadores, e uns dois terços das análises que o meu cérebro produz há algumas semanas desconfiam daquilo que as próximas semanas nos reservam. Mas estou aqui para dar uma palavra de confiança a todos os benfiquistas: quase nenhuma previsão que tenho feito nos últimos anos acerca do Benfica se confirmou. Assim sendo, o meu pessimismo só pode ser bom sinal.
Brincadeiras à parte, o passeio a que vínhamos assistindo na cadeira reclinável tornou-se agora um percurso exigente da mais alta montanha. Não há como dizê-lo de outra forma: aceito cinco vitórias por meio a zero, desde que rumemos definitivamente ao 38. Não aguento mais um ano sem ver os grupos de WhatsApp mudarem de nome. Não estou psicologicamente preparado para isso.
Este domingo, aliás, vi uma luz que já não julgava possível nesta fase da temporada. Num plantel que parece hoje não ter grandes surpresas, numa relação com os adeptos que já vai longa e com algum desgaste, em que já passamos algumas refeições quase sem perguntarmos um ao outro como foi o dia, eis que surgiu um pequeno grande rapaz num onze titular que Schmidt parecia teimar em não refrescar.
Chama-se João Neves e já todos o tínhamos visto, mas ainda não desta forma, a entrar de início. Revelou-se imediatamente como um daqueles miúdos que, assim que toca na bola, mostra que quer ser tão campeão como nós, que quer chegar rapidamente à baliza adversária, mas sem perder a elegância no toque de bola, com o pragmatismo de quem quer conquistar metros a cada gesto dentro de campo, e com um quociente de inteligência capaz de conquistar muitos corações. Não obstante, vi uns especialistas em anatomia elaborarem teses muito robustas sobre a altura do rapaz, com argumentos reveladores de algum, défice hormonal, talvez esquecidos da altura média de duas mãos cheias dos melhores centrocampistas da história do futebol, que nem por isso deixaram de ser os melhores.
Mas há uma tese que me incomoda mais do que todas as outras, das pessimistas às anatomicamente parvas. É uma proverbial insistência no tema da arbitragem quando nos aproximamos do final do campeonato em perda. Perdoem-me os consócios, pois sei bem que muitos não vão gostar do que tenho para dizer sobre este tema. Mas tenho para mim que o momento de se falar da arbitragem não é após o erro. O momento de se falar da arbitragem não é aquele em que, segundo as vozes dos adeptos mais furiosos, se tem que traduzir em pressão, em melhores manobras de bastidores, no fundo, em tudo o que não for futebol mas nos aproximar mais da vitória. Ora, é um facto que a arbitragem portuguesa não estava bem mesmo quando jogávamos bom futebol e passávamos por cima de adversários, como também é verdade que não é exatamente por isso que estamos a passar por cima de menos adversários nos dias que correm.
O Benfica deve ter um papel cimeiro na pressão por uma arbitragem melhor, sim, mas não sei se o conseguirá gritando quando perde pontos em Chaves ou noutro jogo que tinha obrigação de vencer. Temos que abandonar este pensamento de que as derrotas são a melhor instância para se lutar por um futebol melhor. É exatamente o contrário, e, se confio que esta direção do Benfica tem intenção de deixar o clube e o futebol um lugar melhor do que quando cá chegou, confio que saberão trabalhar pela mudança da forma adequada, idealmente depois de irmos todos ao Marquês celebrar uma sofrida mas merecida conquista do campeonato. Pressão neles, como se costuma dizer, mas, antes disso, pressão em nós para fazermos aquilo que nos compete.