Por que razão?
A Rádio Renascença promoveu ontem uma iniciativa de excelência subordinada ao tema Que futebol queremos para Portugal?. A sessão, que durou todo o dia e contou com a intervenção de duas dezenas de palestrantes, - entre jornalistas e jogadores, árbitros e treinadores, dirigentes e comentadores - foi rica em ideias, em partilha de conhecimentos e em sugestões para o futuro. Foi um dia produtivo, de opinião, discussão e reflexão. Porque já se percebeu que reflexão, reflexão profunda, é aquilo que o futebol português mais precisa.
A esmagadora maioria dos intervenientes mostrou-se descrente. Diria, com relativa margem de segurança, que nove em cada dez pessoas que falaram e/ou assistiram àquela palestra acharam que há muito para mudar e muito para evoluir. Nós, que não somos nem parvos nem autistas, devemos ter a sensatez de saber ouvir a voz de quem está ou esteve dentro das quatro linhas. Eles não podem estar todos errados. Eles não se juntaram todos no mesmo sítio para, de uma forma cúmplice, dizerem a mesma coisa. Este sentimento generalizado, de desilusão e desconfiança, assenta em pressupostos há muito diagnosticados. Pressupostos que são também unânimes na voz inconformada da opinião púbica.
O que fazer então para concretizar a tal mudança? Que medidas tomar? Que compromissos assumir?
Esta discussão é urgente. Fundamental. É preciso ter coragem para levantar as questões certas, no local certo, perante as pessoas certas. E é preciso perguntar, em sede própria e a quem direito, tudo o que achamos não estar bem. Tudo o que queremos ver ultrapassado. Porque razão é que um futebol como o nosso, cheio de miúdos talentosos e treinadores solicitados, não está ao nível dos melhores? Porque razão não conseguimos manter um discurso educado e elevado, nas vitórias e nas derrotas? Porque razão damos à imprensa motivos para falar de coisas feias, quando há tantas coisas boas para falar? Porque razão há uma gula crescente na aquisição de clubes e uma ideia cada vez mais fortalecida de futebol-lucro, em detrimento de futebol-desporto? Porque razão há uma constante sensação de impunidade em relação a atos potencialmente ilícitos? Porque razão a justiça disciplinar tem uma regulamentação que a castra e burocratiza em demasia? Porque razão é que os jogadores não são os grandes protagonistas do espetáculo? Porque razão é que se desconfia tanto dos árbitros e da arbitragem? Porque razão se fala tanto em apostas ilegais e em aliciamento de jogadores? Porque razão há demasiada gente a gravitar em torno de um só jogo de futebol? Porque razão é que somos uma de quatro ligas europeias (são 52 ao todo) que não tem centralizados os seus direitos televisivos? Porque razão se permite que o fosso entre três clubes e os restantes seja cada vez maior? E porque razão é que o fosso entre nós e os outros, lá de fora, é enorme? Porque razão é que a liga turca, holandesa e russa são mais valiosas do que a nossa? Porque razão é que o bom nome do futebol anda tantas vezes nas ruas da amargura? Porque razão há tanta violência sobre agentes desportivos? Porque razão impera a falta de ética, quando o que se espera é exatamente o oposto? Porque razão?
Fica (mais uma vez) o repto. Reflitam. Dialoguem. Assumam compromissos. Orientem a solução para o todo. Para o bem geral. Somos muito mais do que o pouco que temos sido.