Pichardo e Évora: dois portugueses por direito

Pichardo e Évora: dois portugueses por direito

OPINIÃO10.04.202306:30

É a lei, e cabe ao Governo português a defesa dos interesses nacionais

OS dois melhores atletas portugueses de sempre do triplo salto estão de costas voltadas. Tudo porque Nélson Évora disse algo que Pedro Pablo Pichardo não gostou. Vejamos: «Quem é que lucrou com isso? Foi Portugal? Claro. O investimento foi feito a curto prazo. Foi comprado um atleta para poder ter resultados a curto prazo.» Afirmou Nelson Évora, ex-atleta do Sporting, a propósito do rapidíssimo processo de atribuição de nacionalidade do atleta do Benfica - apenas três meses.
 
Tem Nelson Évora razão neste reparo? Tem, mas todos os países o fazem, não há qualquer problema nisso. Até porque, e mais importante, a lei portuguesa o permite e, de certa forma, até o encoraja. A questão é que esta matéria gera sempre polémica - aqui como em tantos outros países - porque os Governos decidem de forma a defender os seus interesses legítimos. 

Repare, caro leitor, não se trata de ser justo ou respeitar o princípio da igualdade. Aqui, o Governo é livre para escolher e pode decidir que Portugal tem um interesse legítimo em ter grandes atletas que elevam o nome do nosso país, prestigiando-nos a todos. E não precisa ser só Cristiano Ronaldo e Bernardo Silva, ou no passado Luís Figo ou Eusébio, podem ser também Pichardo e Évora.

Da mesma forma que o atleta nascido em Cuba foi português rapidamente, noutros tempos, foram-no Pepe, Deco e Liedson. A Lei 37/81, alterada em 2020, diz: (art. 6 - 1) O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos (a) serem maiores (…); (b) residirem no território português há pelo menos cinco anos; (c) conhecerem suficientemente a língua portuguesa. E foi por este caminho que Nélson Évora se tornou português. Residiu cá desde os seis anos, mas só aos 18 teve nacionalidade portuguesa. 

Pablo Pichardo foi por uma exceção: o n.º 6 do mesmo artigo 6 permite ao Governo conceder a nacionalidade dispensando a residência em Portugal há pelo menos cinco anos e o falarem português, «aos estrangeiros que prestem ou venham a prestar serviços relevantes ao Estado Português». E veio a prestar porque o saltador, já português, ganhou muitas medalhas de ouro. 

Em suma, o processo foi conduzido no respeito da lei, tendo mesmo o parecer favorável da Federação Portuguesa de Atletismo e do Comité Olímpico de Portugal. É injusto para alguns? Talvez, mas é a lei, e cabe ao Governo português a defesa dos interesses nacionais. Aliás, o princípio da Igualdade (art. 13.º da Constituição) aplica-se aos «cidadãos» e não aos estrangeiros. 

Pablo Pichardo e Nélson Évora são tão portugueses como todos nós, com uma diferença: ambos são atletas extraordinários que ganharam medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos e foram campeões da Europa e do Mundo do triplo salto. Hoje, direito ao golo vai, obviamente, para ambos, porque elevaram bem alto o nome de Portugal. Há saltos que são inesquecíveis!