Perdoem-me o desabafo
Roberto Martínez estreou-se com triunfo no Euro 2024 (IMAGO / BSR Agency)

Perdoem-me o desabafo

OPINIÃO20.06.202409:00

Nível da análise em Portugal é preocupante quando comparado com o de outros países

Depois do jogo de Portugal, estacionei, no seguimento do habitual zapping, o autocarro que os checos levaram para Leipzig num respeitado canal de informação português. Não é habitual ficar a ouvir comentários sobre futebol e não é pelo risco de me influenciarem na análise porque esse é praticamente inexistente, e sim porque me sinto muitas vezes, deturpando as palavras cantadas por Sting, um extraterrestre em Nova Iorque. No entanto, vi-me tão atraído como um condutor da faixa contrária a ver um acidente no IC19. Este com muita chapa dobrada, vidros por todo o lado e, espero, nenhum ferido com gravidade.

É verdade que podia ter avançado, mudado para a Netflix ou para um episódio de Friends só para desanuviar, porém senti tanta vergonha alheia que, admito, não consegui. Num país onde a clubite extravasa todo o respeito pelo próximo e se liga à Seleção apenas de dois em dois anos, o que só por si são sintomas de uma paupérrima e cada vez mais diminuta cultura desportiva, o comentário não pode continuar sem qualquer efeito pedagógico, prossiga banal e até se enquadre na habitual opinião de café. Vivemos na pré-história da análise, com opiniões que há muito expiraram prazo de validade. E, atenção, tenho o máximo de respeito por algumas das carreiras que vão a estúdio.

Palavras e expressões como «invenção», «jogadores com excesso de informação», «rotatividade a mais», «futebolistas fora das posições certas», o célebre «não percebo o que o selecionador quis fazer» ou até o «perante esta Chéquia Portugal deveria ganhar com facilidade» entraram dentro das salas de estar de quem assistia e podem muito bem ter sido repetidas no emprego ou no intervalo para almoço. Houve até quem tivesse piscado o olho a Fernando Santos e quem insinuasse que Portugal está a complicar em demasia e precisa de jogar o feijão com arroz. Lembro-me que essa ideia, tornada pública, por exemplo, depois de o Botafogo despedir o português Bruno Lage envelheceu mal.

É desesperante olhar para este produto e compará-lo com o que se vende nos outros países, embora reconheça que se subsiste é porque quem vê gosta ou se sente confortável com o mesmo, o que também retrata bem aquele que é o nosso público. Cultura desportiva, não é?

Portugal está no Europeu e só isso já muda o contexto. Não joga sozinho, teve um adversário competente, que defendeu bem. Será que Roberto Martínez, com o qual não concordo várias vezes, inventou ou tentou responder estrategicamente a um desafio, como o fizeram tantos outros já neste campeonato? Resultou em parte ou não resultou de todo? É a fixar jogadores nas posições que se confundem marcações? E a jogar rápido pelas alas que se ultrapassam 2 adversários em simultâneo?

Pode a estratégia não resultar, mas quem não a entende deve lembrar-se que a mensagem também depende do recetor. E ainda bem que Portugal tem um selecionador que pensa na sua equipa, no adversário e tem coragem de levar as suas ideias para dentro de campo. Mesmo que eu não concorde com tudo.