Eurolândia, dia 5: a reinvenção de Portugal, paixão, talento e alma anti-tática no Turquia-Geórgia
Alguns pensamentos e notas tiradas sobre o Campeonato da Europa de 2024
Roberto Martínez olhou para o primeiro adversário no Euro 2024 e fez o que ainda não tinha feito: colocou um lateral-esquerdo como central mais à esquerda. Tal como Matheus Reis no Sporting de Rúben Amorim, por exemplo. O selecionador nacional terá tentado antecipado a habitual pressão alta checa com a colocação de alguém capaz de quebrar linhas com o transporte da bola, algo que os outros titulares, Rúben Dias e Pepe, não poderiam oferecer, nem António Silva ou Gonçalo Inácio, preteridos no banco.
Não terá funcionado na totalidade porque os checos assumiram que não iam comprar essa guerra, preferindo só subir linhas de forma esporádica.
No onze, surgiram ainda outros dois laterais. Diogo Dalot, à direita, e João Cancelo, à esquerda. Tal como acontecia no Manchester City, o segundo nunca iria ser um elemento colado à linha desse lado quando a equipa tivesse a bola. Viria sempre para dentro. Não era propriamente uma novidade, nem na equipa das quinas, e basta recuar algumas semanas. Ao colocá-lo no miolo, ao lado de Vitinha e Bruno Fernandes, Martínez igualou os números a meio-campo (3 vs. Provod, Soucek e Sulc), porém Martínez ainda não tinha terminado a resolução da equação, porque Bernardo Silva também sairia da direita para o meio, para as costas de Ronaldo.
Portugal ganhava superioridade numérica e tinha a equipa alinhada para a reação à perda. Foi aqui que a Seleção conseguiu estrangular os checos e recuperar rapidamente a bola para voltar a atacar. Metade da missão estava cumprida, faltava o resto.
Tantas vezes se repete, mas não deixa de ser obrigatório: não há nenhuma equipa que jogue sozinha. E Portugal tinha pela frente uma República Checa organizada, que defendia com 9 unidades atrás da linha da bola, 7 (!) no corredor interior, contando com o guarda-redes. Um autêntico muro. Martínez tentou que Nuno Mendes apoiasse mais e Dalot estivesse tão profundo quanto Rafael Leão à esquerda, mas nunca se percebeu haver ali conforto com tamanha projeção. E se Vitinha se exibia a um nível estratosférico, Bruno Fernandes e Bernardo Silva pareceram algo perros nas decisões que tantas vezes tomam de olhos fechados nos respetivos clubes.
Leão, por sua vez, ainda deu um ou outro esticão, porém rapidamente se tornou inconsequente e até esteve tempo a mais no relvado. Também Cristiano Ronaldo apareceu várias vezes demasiado ao largo para um bailado sem qualquer tipo de objetividade e, numa ou noutra situação, surgiu atrasado em relação aos movimentos da equipa: Não só CR7 não tirava ninguém do caminho como tornava o jogo relativamente confortável para os centrais adversários. Faltou ainda mais dinâmica, um pouco mais de risco, movimentos sem bola e tentar até direto, por vezes. para camuflar intenções.
Terminado o encontro, o momento defensivo tem de continuar a ser uma preocupação. Os jogadores desligam facilmente quando a bola está a rodear a sua área, expondo-se a remates e até a passes de rotura. Foi evidente nos jogos de preparação e voltou a sê-lo em Leipzig. Há muito trabalho a fazer nas próximas horas.
Luta de 'underdogs'
A Turquia venceu a Geórgia,, mas o encontro foi bem mais complicado do que o resultado deixa crer. Os turcos, que perderam vários jogadores importantes nas últimas semanas, assentam na criatividade de quatro unidades: Çalhanoglu, Kökçü, Güler e Yildiz. Começaram muito melhor, chegaram a ameaçar um segundo golo, mas os georgianos nunca desistiram de levar a melhor. Com ataques rápidos em forma de parada/resposta, os dois conjuntos protagonizaram um excelente encontro.
Na Turquia, a forma estreita do 4x2x3x1 favorece o jogo interior, com Kökçü mais livre como 10, dois extremos de muito talento a fletir para o meio, para o pé mais forte, e um avançado capaz de jogar de costas para a baliza e fazer o comum apoio frontal. Ambos os laterais têm ordem para avançar no terreno, tal como o central Bardacki.
Os georgianos, em estreia, apostaram tudo em saídas rápidas e chegaram a ameaçar um resultado muito mais favorável, pecando apenas na finalização em momentos cruciais. Tudo misturado, a partir do golo anulado que daria o 2-0 ao conjunto de Vincenzo Montella a partida tornou-se um autêntico caos táctico e uma correria desmedida. Bom para o espetáculo.
Turquia e Geórgia prometem dar muito trabalho a Portugal.