Passos para o sucesso

OPINIÃO02.05.202306:35

«Michael Jordan jogou 15 anos e venceu seis campeonatos. Os outros nove anos foram um falhanço?», pergunta Giannis Antetokounmpo

E se tudo correr mal nas próximas semanas? Será que vamos ter vontade de aprender com essa circunstância? Será que vamos ter a frieza necessária para reconhecer que, não obstante os erros de terceiros, fomos piores do que os nossos adversários? Conseguirão os benfiquistas ter desportivismo suficiente para reconhecerem que, não obstante o cataclismo, o caminho se faz caminhando e o sucesso chegará, inevitavelmente, se soubermos aprender a retirar algo das derrotas que nos torne mais fortes?

A resposta é, evidentemente, não. Pelo menos não no imediato, e dificilmente depois disso. Não pertenço a nenhum instituto de estudos sociais. A minha resposta baseia-se exclusivamente em algumas décadas de convívio com o benfiquista médio, um adepto que, infelizmente, se habituou a ver o Benfica ganhar menos vezes do que as que gostaria e menos vezes do que os pergaminhos do clube deveriam ditar, mas que nem por isso exige menos.

O benfiquista médio é um adepto que não consegue conceber outro resultado que não a vitória, o troféu, a apoteose e a glória destinadas aos vencedores, porque, por muito que reconheça grandeza em outras dimensões da vida do seu clube, não imagina outra finalidade que não a de vencer tudo o que estiver em jogo. O benfiquista médio tem tendência a acompanhar mais o futebol do que qualquer outra coisa, mas esta obsessão é ainda mais pronunciada quando me deparo com adeptos mais dedicados às restantes modalidades. Não é uma moda. Foi sempre assim, desde que me lembro de ver o Benfica, de ouvir falar do Benfica nas conversas sobre o próximo jogo, ou de ouvir histórias sobre as largas décadas antes de mim.

Vem tudo isto a propósito de uma reflexão que ocupou jornais e redes sociais na última semana. O basquetebolista Giannis Antetokounmpo, estrela dos Milwaukee Bucks, melhor equipa da fase regular da NBA, foi à sala de imprensa minutos depois de a sua equipa ser surpreendentemente eliminada na primeira ronda dos play-offs.
 

Giannis Antetokounmpo, estrela dos Milwaukee Bucks, excelente comunicador, respondeu a pergunta incómoda com desportivismo


Ninguém quer estar ali, no entanto toda a gente sabe que responder aos jornalistas, e fazê-lo de forma articulada, faz parte do trabalho de um atleta da NBA. Mas eis que surge uma pergunta incómoda: «[Giannis], vê esta época como um falhanço?» Giannis, um dos atletas mais carismáticos da liga, e um excelente comunicador, reage com aparente exaspero e devolve a pergunta ao jornalista, perguntando a este como determina o sucesso ou o falhanço na sua carreira a escrever sobre a NBA. Aquilo que se segue é uma reflexão desarmante sobre a cultura desportiva e o que quase sempre nos escapa no momento da derrota.

Por um lado, esta explicação é um exemplo admirável de como se ser gracioso nesse momento  - «Uns dias temos sucesso, outros dias não, umas vezes vencemos, outros dias não, e o desporto é isso mesmo». Podia ser confundido com uma admissão pouco ambiciosa da derrota, mas este é um dos mais ferozmente ambiciosos basquetebolistas que a modalidade viu surgir nas últimas duas décadas. É alguém que, numa entrevista em março, explicava que era movido pelo desespero e pela obsessão de vingar numa liga onde não se sentia um dos mais talentosos.

Por outro lado, a reflexão de Giannis leva-nos a uma daquelas verdades óbvias que estiveram muito tempo à frente do nosso nariz: «Michael Jordan jogou 15 anos e venceu seis campeonatos. Os outros nove anos foram um falhanço?» É a constatação de que o talento, a grandeza e as conquistas desportivas não se intersectam tantas vezes quanto gostaríamos, e isso não nos deve diminuir. «Não é um falhanço. São passos para o sucesso», explica Giannis.

Regresso à realidade local e constato que um mundo de diferenças separa o basquetebol norte-americano do futebol português, na cultura desportiva de cada país, mas, fundamentalmente, na dimensão histórica que cada momento carrega. É possível concordar com tudo o que Giannis diz enquanto tese para melhor vivermos  a nossa vida a celebrar, elevar ou, muitas vezes, destruir equipas, treinadores e jogadores. Mas parece-me evidente que o desportivismo não será a prioridade do benfiquista se as coisas por desventura vierem a correr mal. Será mesmo um falhanço e não há lirismo que nos salve dessa evidência. É que, para além de toda a cultura desportiva, há no Benfica um dever de honrar a sua essência, e essa não é outra senão vencer.

De certa forma, quando olho para a história do Benfica, verifico que os benfiquistas querem avançar rumo às vitórias e, simultaneamente, recuar no tempo até uma ideia de glória essencial, retomar um ideal do clube enquanto colosso desportivo e avalanche de vitórias. Será muito difícil chegar, mas ninguém exigirá menos. Se algum dia isso acontecer, isso quererá dizer que o Benfica se tornou uma coisa menos boa.

Uma vez que os benfiquistas jamais deixarão isso acontecer, por aqui só existe um caminho possível para nos aproximarmos da paz espiritual de quem, como o impressionante Giannis, recusa admitir o falhanço e o abraça como parte do caminho para o sucesso. Teremos de ganhar muito mais vezes para algum dia virmos a tolerar melhor o segundo lugar. Estamos ainda muito, muito longe de aceitar uma derrota como menos do que um falhanço. É por isso que, nas finais que nos restam, mais do que alternar entre o sucesso e o falhanço, há antes de mais um dever de mostrar que se aprendeu com os dias menos bons desta época, deixando tudo em campo.