Paragem sem descanso
Sempre que ouço Fernando Santos falar na responsabilidade para com os 11 milhões, questiono-me: quando nos tornámos vencedores crónicos?
HOJE decide-se o apuramento de Portugal para o Mundial do Catar, a competição de seleções pela qual me apaixonei em criança, que desta vez se realizará no inverno porque um fundo soberano assim o determinou. Passando por cima do luto que só esta situação justificaria, olhemos para o que há pela frente. Já não me lembro exatamente do momento em que me fartei do cântico pouco importa se jogamos bem ou mal, mas penso ter sido um par de meses após a nossa vitória no Europeu. Recuperado dessa inesquecível bebedeira coletiva, voltei a ver um jogo da Seleção sem euforias, procurando avaliar o nosso jogo por aquilo que é, e sofri do primeiro ao último minuto, não tanto com a incerteza do resultado mas devido à pobreza exibicional de uma equipa que conseguiu reunir o melhor conjunto de atletas da história da modalidade em Portugal, pelo menos em potencial.
É por isso que, sempre que ouço o selecionador Fernando Santos falar numa responsabilidade para com 11 milhões de portugueses que é a de «ganhar», fico ligeiramente perplexo e questiono-me: em que fase da vida competitiva do país futebolístico é que nos tornámos vencedores crónicos? Terá sido em 1996, quando encantámos uma Europa inteira para perdermos nos quartos de final com uma chapelada do Poborsky? Ou em 2000, quando voltámos a jogar o futebol mais aprazível e nos convencemos de que aquela mão na bola não tinha acontecido? Ou será que foi em 2004, quando, após uma inacreditável série de jogos bem jogados, conseguimos a proeza de perder um Europeu a jogar em casa contra a Grécia? Ter-me-á escapado o momento em que, por obra e graça da nossa imaginação, nos estabelecemos como candidatos a ganhar tudo, mas continuamos a tratar cada momento desta Seleção como uma oportunidade para reafirmar que somos algo que nunca fomos. Nenhum adepto será pela derrota da sua equipa, mas é preciso uma certa pequenez de espírito para ignorar aquele que deveria ser o verdadeiro desígnio do nosso futebol: oferecer hipérboles e hinos estéticos aos adeptos, mesmo sabendo que só muito dificilmente, e com muita sorte à mistura, seremos os últimos a sorrir. A não ser que Fernando Santos me desminta categoricamente, faça o que me parece impossível: jogar o futebol que nos trouxe ao mundo, e trazer o caneco para casa. Cheira-me que a noite de hoje lhe vai dar mais uma oportunidade.
A HONESTIDADE DOS DERROTADOS
BEM sei que as realidades são muito diferentes, mas tive de ver e rever. Os Golden State Warriors, atualmente uma das melhores equipas da NBA, tinham acabado de perder mais um encontro, prolongando uma série de resultados negativos que atirou a equipa para uma posição menos confortável às portas dos play-off. A sala de imprensa encheu para ouvir Draymond Green, um dos melhores defesas da NBA. O jogador não poupa nas palavras e explica o momento da equipa: «Estamos a jogar de forma estúpida. Não estamos a jogar bom basquetebol. Estamos a ser comidos. Sem ofensa para Orlando, mas são uma das piores equipas da Liga. E não estivemos ao nível deles. Se não estivermos ao nível deles não vamos conseguir fazer melhor contra grandes equipas.»
Talvez o meu idealismo tenha levado a melhor, ou talvez a falta de paciência para a comunicação praticada pela esmagadora maioria dos protagonistas em Portugal, mas é deprimente constatar a frequente ausência de frontalidade daqueles que falam aos microfones no nosso desporto. Quantas vezes vimos um atleta ou um dirigente refletirem desta forma sobre o momento da sua equipa? Infelizmente, uma certa falta de massa crítica normalizou a falta de interesse ou a desonestidade dos intérpretes. Há muitas escapatórias: os que não assumem o seu demérito de forma honesta, os que responsabilizam qualquer fator externo que esteja à não, os que são incapazes de reconhecer o mérito do adversário, e os que debitam meia dúzia de banalidades ansiosamente à espera que aquele momento termine. Quase nunca saímos destes momentos de comunicação mais esclarecidos ou com a sensação de termos aprendido alguma coisa. Há muito que melhorar em muitas coisas no desporto português, mas uma outra cultura desportiva também deveria passar por esta franqueza, por esta capacidade de viver a verdade. Sonhar não custa.
UM POUCO MAIS DE REALIDADE
B EM sido interessante acompanhar a evolução de Abel Ferreira no futebol brasileiro, não apenas pelo sucesso desportivo que caracterizou o seu percurso e faz dele hoje o melhor treinador em funções no Brasil, mas também pela pessoa que o futebol brasileiro nos tem dado a conhecer. Nem sempre os treinadores portugueses se tornam mais expansivos ou dados quando rumam a outras geografias, mas Abel Ferreira aproveitou esta oportunidade para conquistar duplamente os adeptos. Os resultados podiam dizer tudo por ele, mas, para lá disso, ou talvez catapultado por esse sucesso, Abel tem aproveitado a popularidade para dar a conhecer uma personalidade vincada e diferente das que temos sido habituados a encontrar no futebol português. Tudo tem o seu quê de marketing, mas há uma autenticidade nas palavras, há quase sempre uma ideia construtiva, uma frase que fica, um rasgo no modo como expõe as suas ideias mas também algumas das suas inseguranças. Não sei se esta combinação de atributos ganha jogos, mas suspeito que sim. Além disso, torna-o um pouco mais real num mundo em que o artificial abunda. Que continue assim, a conquistar o Brasil e a ser quem é.
UM BENFICA MAIS PRÓXIMO DO IDEAL
A notícia de que a proposta de revisão dos estatutos está pronta é uma excelente notícia. Saber que foi construída através de um debate amplo, plural, e que promove uma cultura democrática mais forte no clube, será, assim que aprovado em AG, uma vitória assinalável desta Direção e de todos os sócios que promoveram este caminho. O cômputo geral destes novos estatutos garante um maior respeito pelo exercício de funções no clube, uma maior abertura do clube à participação associativa, e um clube mais capaz de ser fiel à sua grandeza. A espuma dos dias faz com que estas coisas às vezes parecem umas abstrações algo distantes da realidade da bola que entra na baliza ou vai ao lado, mas é de um Benfica mais forte, em todos os aspetos, que o trabalho desta comissão tratou. Fica o meu agradecimento aos sócios António Bagão Félix, João Almeida Loureiro, João Pinheiro, João Varandas Fernandes, Fernando Neves Gomes e Raquel Vaz-Pinto, que se entregaram com afinco a essa tarefa nos últimos meses. Lá chegaremos, espero, ao Benfica Ideal.