Os três corcundas de Pyongyang

OPINIÃO02.01.202305:30

Nuno Santos merecia dar uma entrevista e o adeptos do Sporting mereciam lê-la. Pois aí está a conversa com o 11 dos leões

LEMBRO-ME bem do momento em que os clubes portugueses, copiando o que vinha de Inglaterra, Espanha e, sobretudo, Itália, se começaram a fechar sobre si próprios, como um corcunda que aperta os atacadores dos sapatos. O início deu-se no finalzinho do século passado quando FC Porto, Sporting e Benfica, antes de todos os outros, começaram a implementar múltiplas regras na relação com os órgãos de comunicação social. Querem uma entrevista? Mandem um faxe. Querem novidades? O senhor X, Y ou Z reúne-se com vocês e passa-vos as informações que acharmos convenientes. Querem ver os treinos? Só os primeiros 15 minutos. Era assim a vida de um jornalista no final do Século XX. Depois piorou. Porém, ainda se fizeram coisas bem engraçadas, como reunir, a um jantar, os sul-americanos de Sporting e Benfica ou juntar Oceano e João Vieira Pinto, capitães dos dois clubes, para conversar sobre o dérbi de dois dias mais tarde.
 

POUCOS anos depois, quando os clubes passaram a SAD, o corcunda que atava os sapatos não mais conseguiu voltar à posição ereta e por lá ficou, cada vez mais dobrado sobre si mesmo. Os jogadores passaram a ser prisioneiros dos clubes, acompanhados por assessores em todos os pequenos passos que dessem ou pudessem dar. Vais a um lançamento de um livro? O assessor vai contigo e diz-te, antes, o que deves e não deves falar. Como o deves fazer e em que tom deverás fazê-lo. E o corcunda foi-se expandindo pacientemente, passando dos três grandes para os seis ou sete seguintes e, mais tarde, para todos os clubes da Liga 1, Liga 2 e Liga 3 até à Liga mais residual da associação mais residual.
 

QUANDO no Euro-2012 me desloquei ao centro de estágio dos Países Baixos (a saudosa Holanda), cheguei a achar estranho haver uma zona mista onde todos os jogadores poderiam falar com os jornalistas. A única regra era a liberdade pessoal do jogador: se quiser falar, fala; se não quiser falar, não fala. Simples e democrático. Foi aí que tive oportunidade de falar com o então jogador do Sporting Stijn Schaars. E falou de tudo: da Seleção neerlandesa (a saudosa Holanda), da Seleção portuguesa e dos seus companheiros Rui Patrício e João Pereira. Conversei ainda, com total liberdade, com Luuk de Jong e o alegado interesse do Benfica na sua contratação e até com Mark van Bommel, o irascível capitão da Laranja Mecânica que andara pegado, no Mundial-2006, com Figo e Ronaldo. Senti-me como um norte-coreano a passear pela primeira vez nos parisienses Champs-Élysées. Aquilo, sim, era liberdade. Depois, quando Portugal foi eliminado na meia-final com a Espanha, regressei à minha pequenina Pyongyang. E por aqui continuei. 
 

DE vez em quando, porém, um dos três principais corcundas, faz uns exercícios de yoga e abre-se ao Mundo. Foi o caso agora do Sporting e da entrevista a Nuno Santos. O esquerdino será, atualmente, o melhor jogador dos leões de Rúben Amorim. Merecia dar uma entrevista a falar sobre a fase que atravessa e mereciam os sócios e adeptos do grande clube de Alvalade ler o que o seu número 11 tem para dizer. A BOLA pediu, o Sporting e Nuno Santos aceitaram e a entrevista fez-se. Poderia ser uma entrevista sem sal, como muitas outras, em que a perguntas banais se sucederam respostas banais. Não foi, ainda bem, o caso desta entrevista. Primeiro, porque o meu camarada Miguel Mendes a preparou muito bem; depois porque Nuno Santos não optou pelo inodoro, insípido e incolor. Seria bem interessante, pois, que mais vezes os três corcundas de Pyongyang se abrissem um pouco mais ao Mundo.