Opinião Os mouros!
«Fora de jogo», a opinião de João Bonzinho
Carlos Xavier foi infeliz ao chamar muçulmano a Taremi? Foi. Claro que foi. Mas sabe o erro que cometeu e teve a dignidade de pedir publicamente desculpa. Teve dignidade e teve caráter porque é preciso termos dignidade e caráter para assumirmos os erros e pedirmos desculpa. Nem todos têm.
E muito menos são os que podem orgulhar-se do passado desportivo de Carlos Xavier, sobretudo no que diz respeito a ética, humanidade, gentileza, educação e respeito. Carlos Xavier foi um craque como jogador. Mas continua um craque como pessoa.
Conheci Carlos Xavier na já distante década de 80. Um grandíssimo jogador de futebol e simplesmente uma personalidade desportiva sem a sorte que merecia. Porque Carlos Xavier, pelo talento que tinha e pela pessoa que foi enquanto jogador, merecia ter ido muito mais longe do que acabou, infelizmente, por ir.
Como muitos outros jogadores de enorme talento que conheci, também Carlos Xavier não viu cruzar-se a melhor oportunidade com a hora certa e a qualidade que tinha, apesar de todo o sucesso que conseguiu no seu Sporting do coração.
Ainda assim, tornou-se igualmente figura ímpar na belíssima cidade de San Sebastian, norte de Espanha, onde viveu para defender (como o compatriota Oceano) as cores da Real Sociedad, um clube especial, de cultura especial e de pessoas especiais. Só mesmo personalidades como as de Carlos Xavier e Oceano podiam facilmente encaixar na mentalidade dos bascos e na atmosfera de uma cidade maravilhosa em todos os aspetos.
Apesar da vida profissional não lhe ter dado o destaque, como referi, que merecia, e que hoje porventura teria alcançado, Carlos Xavier nunca deixou, porém, que isso lhe condicionasse a alma ou lhe alterasse o comportamento. Foi sempre um rapaz exemplar, um bom amigo, um homem de família, um pai dedicado, um lutador, agarrando sem medo as oportunidades que a vida lhe foi dando para viver, acima de tudo, com dignidade.
Não questiono, evidentemente, as qualidades humanas e a personalidade do homem Taremi. Tendo, aliás, como o próprio Carlos Xavier assumiu no pedido de desculpas que tornou público, também eu a admirar o Taremi cidadão iraniano, evidentemente pelas posições que nunca deixou de assumir na defesa da liberdade, justiça e igualdade no seu país.
Mas também nunca deixei, apesar disso, de me juntar ao coro dos críticos do futebolista Taremi, cuja incompreensível tendência para tentar iludir no campo de jogo adversários e árbitros terá levado agora Carlos Xavier a cometer um excesso na forma como quis afirmar a crítica a esse tipo de comportamento do internacional iraniano.
Carlos Xavier cometeu um excesso, assumiu o erro e pediu desculpa, como devem fazer todas as pessoas de bem com os princípios e valores mais importantes, e inalienáveis, da vida.
Mas no FC Porto, de onde agora se atira a pedra a Carlos Xavier, são muitos os exemplos de quem não é capaz de o fazer. E nunca soube pedir desculpa mesmo tendo sido sempre claramente mais insultuoso do que foi, agora, o antigo internacional do Sporting.
Figuras de um grande clube que em nome da defesa de uma incompreensível pequenez (inúmeras vezes confundindo-a com bairrismo) nunca tiveram a dignidade, nem o caráter, nem a honradez de se retratarem, em tantos e tantos anos disto, por classificarem como «inimigos», «mouros» ou mesmo «filhos da p…» adversários desportivos, sem qualquer pingo de vergonha ou decência, a coberto do despudor e insensatez de autoridades que deviam proteger, regular e defender as boas práticas desportivas, mas quase sempre foram, como diz o povo, assobiando para o lado que mais parecia conveniente.
Agora que Carlos Xavier teve a imprudência de se exprimir de forma absolutamente errada num contexto de análise à Liga portuguesa feita em programa do canal televisivo do Sporting (uma declaração que não lhe ficou nada bem, mas pela qual, no mesmo lugar, repito, pediu desculpa), logo as reações no FC Porto conduziram imediatamente à ação as referidas autoridades desportivas (como, pelos vistos, sempre lhes competiu, mas nem sempre se lhes viu), com a rápida abertura de um processo disciplinar ao Sporting.
Admitindo que tenha passado relativamente despercebido, merecem as palavras do presidente do Sporting um destaque especial em todo este triste episódio. Lembra, e bem, Frederico Varandas o discurso que durante anos foi contribuindo para a divisão, discriminação e xenofobia com que muitas figuras realmente ligadas ao FC Porto (mas também a outros clubes desportivos do norte do País) alimentaram o conflito com os clubes de Lisboa, nomeadamente pelo uso indiscriminado e agressivo da palavra «mouros» sempre que se dirigiam ao universo particular de Sporting ou Benfica.
Deu o presidente do Sporting um exemplo de dignidade ao referir-se ao «comentário infeliz de Carlos Xavier» e ao afirmar que o Sporting «não se revê nesse tipo de comentários».
Mas não deixou, igualmente bem, de lamentar os tratamentos desiguais para os que, e cito, «durante anos puderam fazer e dizer o que quiseram (…) Não sei se têm a noção [referindo-se ao Concelho de Disciplina], acho que têm, mas mouro é sinónimo de sarraceno, de quem pratica o islão. Não acho piada. Acredito que os muçulmanos também não achem piada», comentou o presidente leonino, colocando-se, de novo, do lado certo da luta.
NUM País onde os pesos e as medidas no futebol se multiplicam, variadas vezes, de acordo com as circunstâncias, onde os principais responsáveis das diferentes instituições desportivas não podem afirmar desconhecer quem sempre mais contribuiu para a segregação, exclusão, divisão, para os climas de conflito e guerrilha e para quem sempre mais se alimentou desse ódio e intolerância nas práticas e nos discursos, num futebol, ainda, onde se assiste, em áreas como a disciplina e arbitragem, a golpes de misericórdia na credibilidade das competições profissionais (como é possível, com a tecnologia do VAR, cometerem-se, por exemplo, tantos erros graves na análise dos foras de jogo?!!!), já quase nada nos pode surpreender. Apenas podemos lamentar!
Aideia em si pode parecer simples, mas o suicídio cometido pela equipa do Benfica no jogo de estreia na Liga dos Campeões desta nova época assenta, em boa parte, na complexa e estranha tendência que as águias demasiadas vezes revelam para complicarem o seu próprio jogo bem antes de qualquer adversário lhe desferir eventual golpe, mais ou menos fatal.
São, nalguns casos, erros primários que levam a perdas de bola suficientemente comprometedoras, como sucedeu no jogo com os jovens do Salzburg, que em muitos contextos (o da noite de quarta-feira foi especialmente desfavorável aos campeões portugueses) se podem tornar irremediáveis.
Na Luz, frente à mais jovem equipa de sempre na fase de grupos da Champions, o Benfica começou a dar tiros nos próprios pés logo pelo tremendo deslize do jovem guarda-redes Trubin (que turbilhão a estreia na Catedral das Águias!!!), passou pelo erro de Alexander Bah (um imprudente, mal calculado, deficiente e impróprio atraso de bola que provocou o caos que levaria ao segundo penálti e à expulsão de António Silva) e culminou no falhanço de Morato (arriscar, como arriscou, perder a bola naquela circunstância, sem perceber que a equipa estava defensivamente tão desequilibrada, foi outro erro de palmatória).
Por entre esses piores momentos, a equipa de Roger Schmidt lutou, é verdade. Mas não apenas voltou a ser incompetente na finalização (ao que se juntou a magnífica exibição do guarda-redes do Salzburg) como passou muito tempo a complicar o modo de organizar o ataque (chega a impressionar como insiste em manter o chamado centro do jogo onde estão mais jogadores por metro quadrado…) e se autofragiliza por querer jogar quase sistematicamente na vertigem, quando a vertigem a leva a perder muito mais vezes a bola do que seria desejável, sobretudo num jogo, como foi o caso, em que estava a perder e a jogar com dez.
Parece, pois, indispensável um reset na Luz, para utilizar uma expressão informática. Mas para isso, manda a regra que se entenda, pelo menos, que algo está errado. E não me parece que tenha a ver só com a execução; tem a ver também com a ideia.