O Sporting e o ‘Natal dos simples’

OPINIÃO24.12.202003:00

O genial cantor e compositor José Afonso, comummente conhecido por Zeca na minha geração, fez uma cantiga intitulada Natal dos Simples, que integrava o álbum Cantares do Andarilho, de 1968. Lembrei-me desta canção porque ela começa, justamente, com o verso Vamos cantar as janeiras. Ora, os sportinguistas, passado o teste com o falso Belenenses, na casa que eles têm por empréstimo, têm umas janeiras bastante difíceis de cantar. Apontem: entre a 12.ª jornada e a 16.ª, temos pela frente o Braga (em casa); o Nacional (fora); o Rio Ave (casa); o Boavista (fora) e o Benfica (casa), jogo com que se encerra o mês, no dia 31. Pelo meio, dia 19, temos a Taça da Liga contra o Porto e, se passarmos esta meia-final, encontraremos Benfica ou Braga na final. Alguns dias antes, a Taça de Portugal pôr-nos-á a jogar fora de casa, contra o Marítimo.

É obra!

Sete ou oito jogos num mês, não é coisa a que algum clube português esteja habituado. Não me queixo, porque obviamente, o Benfica, o Braga e o Porto ainda estão nas competições europeias, que se jogarão a 18 e 25 de Fevereiro, mês que no calendário nacional acaba com um Porto-Sporting, da 21.ª jornada. Quer isto dizer que os nossos principais adversários terão sete ou oito jogos (dependendo de ir à final da Taça da Liga) em janeiro, e mais seis em fevereiro. Mas não me queixo, também, porque pressinto que o Sporting vai fazer bons resultados nestes jogos. Mantendo a garra, a vontade e a alegria que foram norma até aqui, tenho por quase certo que estaremos nos lugares cimeiros em luta pelo título, ou pela ida à Champions. Aliás, este jornal publicou ontem um estudo estatístico em que revela que as equipas que tiveram 26 pontos à 10.ª jornada, como tem o Sporting, terminaram o campeonato sempre em primeiro ou segundo lugares; e a maior parte das vezes, foram mesmo campeões - as exceções nos últimos 10 anos foram três: duas do Benfica e uma do Sporting, naquela célebre época de 2015/2016 que tantas suspeitas levantou, e levanta.

Com um calendário destes, temos de continuar a jogar com processos simples e com jogadores motivados. Por isso, passar a barreira (que é mais psicológica do que outra coisa) do Natal sem esmorecer, pelo contrário, isolados, com dois pontos de avanço, merece que se continue a olhar, jogo a jogo, sabendo que não há equipa que vença todos os jogos e que não perca alguns, seja por que motivo for.

A simplicidade, se misturada com a dedicação e a alegria de jogar, o rigor e a determinação, acabam por ser as nossas principais armas. Assim sendo, com os votos de Feliz Natal para toda a equipa, para todo o Sporting, para todos os adeptos e para todos os leitores, escolho este Natal, até pelos condicionalismos a que a pandemia nos sujeita, como o Natal dos simples. Como baseada na simplicidade, e não nos grandes gastos e enormes proclamações, tem sido a carreira do Sporting.

O Farense, erro meu

Na passada semana escrevi aqui que o Farense não nos devia levantar grandes dificuldades, pois só uma vez empatara fora de casa. Enganei-me redondamente. É por isso que não sou treinador de bancada, nem gosto de falar de basculações, nem de futebol em profundidade, ou lateralizações ou essas coisas que muito admiro a quem sabe. Como jornalista, apenas cobri uma final da Taça, pouco mais era do que estagiário, há quase 40 anos. Foi um Porto contra o Rio Ave, que os azuis ganharam por 4-1. Não fossem os meus camaradas de profissão, especialistas em futebol, ainda hoje estaria por perceber inteiramente a disposição tática das equipas.

Não me envergonho de dizer isto, porque cada qual é para o que nasce. E a beleza do futebol, como de muitos outros desportos, não está em perceber o modo como se monta um jogo, mas a forma como ele decorre. E a mim ainda me confunde o facto de se jogar em 3x4x3 que passa a 5x2x3 ou a outra coisa qualquer. O facto de Pedro Porro ter sido escolhido como o melhor defesa de novembro na Liga, faria pensar nele como um dos três defesas do Sporting, quando não é. Nestas matérias, prefiro acreditar em quem sabe mesmo - como os meus camaradas que dedicam a vida a ver, relatar e escrever sobre futebol (além dos treinadores e alguns jogadores, obviamente) - do que nos inúmeros treinadores de bancada, que acho que percebem tanto disto como eu.

Voltando ao Farense, reconheço que colocou muitas dificuldades ao Sporting, sendo que, por outro lado, o Sporting fez o seu pior jogo da Liga, sobretudo na primeira parte. A retirar como positivo, a parte final da partida, onde, depois de mexidas feitas por Amorim, se viu o desejo de ganhar, a motivação clara pelo golo. E o penálti, claro. Não me pronuncio com certezas. Em primeiro lugar, porque no jogo corrido não me pareceu penálti; depois, porque em câmara lenta me pareceu que o guarda-redes não tocou na bola (mas serei dos poucos); por último, porque há um penálti claro, na mesma jogada, sobre Coates e posso dizer que escreve Deus direito por linhas tortas.

Lá se ganhou 1-0 que, em matéria de pontos para o campeonato, vale tanto como uma abada. Mas fica o aviso, já para o Belenenses e para o terrível mês de janeiro: há que entrar em campo com a mesma vontade que se mostra no final do jogo, penso eu…

VAR e ‘rugby’

Num webminar, realizado apenas por convites, em que o Sporting colocou diversos especialistas a falar sobre arbitragem e como melhorar o VAR, um ex-árbitro de rugby sinalizou - e bem - que neste desporto se explica cabalmente, e a todos os que estão nas bancadas (e na TV), por que razão o árbitro marca uma falta. Disse, ainda, este ex-árbitro, Nigel Owens, que «no futebol não se percebe o porquê das decisões», o que é inteiramente verdade para muitas delas.  A questão, verdadeiramente - como aliás reconheceu Fontelas Gomes no mesmo evento -, está na possibilidade de transmissão dos diálogos (e talvez imagens) entre árbitro e videoárbitro para todos os que estão a acompanhar a partida. Claro que isto precisa de ser regulamentado, mas parece-me óbvio caminhar nessa direção. Porque, ou temos um jogo em que a decisão do árbitro é soberana e não escrutinada - como aconteceu antes de existirem as atuais possibilidades técnicas - ou temos um jogo em que a verdade desportiva tende a prevalecer.

Confesso, aliás, que o poder do árbitro VAR face ao árbitro de campo se me afigura relativamente estranha. Penso que quem está (ou devia estar) no VAR, não tem de ser um jovem que corra o campo todo; pelo contrário, é conveniente que seja um senhor com mais idade, que já correu o campo todo, sabe na ponta da língua todas as regras, e conhece as manhas dos jogadores. Isso levaria a uma inversão, e ao facto de o VAR ter a última palavra em lances capitais (que devem estar bem descritos no regulamento), mas também sobre a condução geral do jogo. Não sei como pode ser este aspeto vertido claramente numa regra, mas todos os adeptos de futebol conhecem aquele tipo de arbitragens que, através de pequenas faltas e pequenos avisos picuinhas, prejudicam claramente uma equipa, obviamente em benefício da outra. Sempre pensei que estes são bem piores do que aqueles que eventualmente cometem um erro grande e com influência… mas que pode tratar-se apenas de um erro e não de uma intenção.