O que Rúben tem de Jesus

OPINIÃO27.02.202003:00

É ainda prematuro definir que treinador é Rúben Amorim mas não como pensa: dentro e fora dos relvados, mas também nos gabinetes. No plano estritamente desportivo, os factos estão à vista: pegou numa equipa esforçada mas limitada nas ideias e deu-lhe os estímulos necessários para transformar o SC Braga numa equipa que alia bom futebol com resultados internos nunca antes conseguidos. Mas é no segundo plano, diria, mais político, que também se começa a perceber de que casta é feito o jovem técnico graças às notícias que começam a surgir sobre o motivo de não estar hoje nos quadros do Benfica. Ora, como é público, Rúben Amorim foi convidado para treinar os sub-23 das águias mas é igualmente público que não aceitou. Conheço muito poucos ex-jogadores aspirantes a treinadores que recusariam um convite assim, o que faz dele, de facto, um caso especial. Então porque aceitou mais tarde treinar a equipa B do SC Braga, é a pergunta que muitos benfiquistas farão. A resposta poderá estar naquilo que António Salvador lhe deu: via aberta para pensar e decidir. É curioso como, apesar de estar a anos-luz no feitio e inteligência emocional de Jorge Jesus, Rúben tem tantos pontos de contacto com o atual treinador do Flamengo (afinal, foi o jogador que mais anos esteve com ele em Portugal, somando Belenenses e Benfica). Um deles é a máxima de JJ, partilhada numa célebre palestra a alunos da Faculdade de Motricidade Humana: «Quando negoceio com um presidente pergunto logo: ‘querem um treinador para a estrutura ou um treinador que pense a estrutura? É que se pretendem um que se encaixe no primeiro caso, então não sou eu!’»  Pode não ter curso, mas Rúben parece ter o que muitos, apesar de devidamente habilitados, possuem em doses mais modestas: princípios, autoconfiança e liberdade intelectual, a tal que também lhe permitirá crescer com os erros, como aconteceu na eliminatória frente ao Rangers - um adeus à Europa que não apaga o grande momento que os guerreiros vivem dentro de portas.

O Conselho de Disciplina da (CD) Federação Portuguesa de Futebol decidiu ontem arquivar o caso do túnel do Jamor, no qual recaía a suspeita de o treinador do Belenenses à data (Pedro Ribeiro) ter sido agredido ou pelo técnico do FC Porto, Sérgio Conceição (com quem teve troca de palavras ainda no relvado do Estádio Nacional), ou por alguém do staff dos dragões. Um caso que não caiu imediatamente no esquecimento porque uma câmara da SIC estava no local certo para gravar o que ninguém viu, ouviu ou registou (nem delegados da Liga, nem polícia nem árbitros nem através das imagens do próprio túnel): um treinador aos gritos, acusando alguém de lhe ter dado um soco. Em circunstâncias normais, o CD nem daria instruções para a abertura de um inquérito face à inexistência de factos plasmados nos diversos relatórios, mas decidiu fazê-lo com base nos indícios relatados pelos media. Isto significa, pois, que foram recolhidos depoimentos dos envolvidos, incluindo o do acusador. Em sede de inquérito,  Pedro Ribeiro disse que foi agredido mas não conseguiu identificar o agressor, ao contrário do que transpareceu nas referidas imagens (com som) da SIC, onde se ouvia a palavra «ele».  Este é mais um caso a juntar a muitos outros que fazem do campeonato português um local pouco recomendado, uma competição sem a transparência das congéneres europeias cuja justiça é aplicada com celeridade e onde situações idênticas não seriam cobertas por este enorme manto de desconfiança.

QUE a falta de transparência não preocupe os clubes é algo infelizmente expectável (afinal, são estes que criam o regulamento de disciplina), tal como aconteceu com os vários governos que nunca olharam para o futebol profissional como um setor estratégico da economia. Mas em condições normais pelo menos aos patrocinadores exigia-se que... exigissem outros valores, outras virtudes e, principalmente, um produto com qualidade para exportação. Se nada fazem é porque se calhar está mesmo tudo bem...