O processo

OPINIÃO14.01.202120:37

Sobre a participação disciplinar contra Sergio Conceição, o presidente do FC Porto lembrou a PIDE e o «medo de falar»!

T ALVEZ por influência de leitura precoce de um romance de Kafka, no qual um cidadão é processado sem saber a razão, estranhamente os dois treinadores das equipas que lideram a classificação da Liga principal do nosso futebol, vão ser alvo de processos instaurados pelo CD da FPF.
Em relação a Rúben Amorim, a origem será «declarações proferidas através de órgão de comunicação social, tendo por base participação disciplinar apresentada pelo CA da FPF».
Quanto a Sérgio Conceição, o CD justifica o processo «por inobservância de outros deveres relacionados com declarações proferidas em conferência de imprensa de antevisão a jogo oficial».
Quem instaurou os processos foi o CD da FPF, liderado pela respetiva presidente. Foi publicamente divulgado o assumido benfiquismo dessa presidente e a declarada inimizade à administração do FC Porto.
Se em relação ao treinador do Sporting nada transpira, em relação ao treinador do FC Porto, apesar de arquivado anteriormente pela comissão de instrutores, foi reenviado para audiência.
Na conferência de imprensa que antecedeu a terceira jornada da Liga I, no início de outubro de 2020, Sérgio Conceição deixou sugestões como pensa que seria possível impedir perdas excessivas e intencionais de tempo, nos minutos finais.
Numa jornada mais à frente (8.ª), em novembro de 2020, no estádio do Marítimo, durante o jogo com o clube madeirense, Jorge Jesus protestou fortemente, por gestos e palavras, contra as estratégias que entendeu como perdas intencionais de tempo para segurar o resultado (o que Marítimo não conseguiu, mesmo no fim) para além das regras de comportamento definidas.
Em declarações à Sport TV, Jesus afirmou também: «O Marítimo não precisa fazer isto, antijogo constante. Não precisa de ideias destas, o Marítimo não quer jogar enquanto não está a perder. Isto não é qualidade para se jogar com responsabilidade no campeonato». Será que, por coerência processual, Jesus vai ter sanção pesadíssima?
Sérgio Conceição limitou-se, numa conferência antes de um jogo, a falar da necessidade de impedir o antijogo, as perdas de tempo e até sugeriu que nos últimos minutos poderia ser preferível não mostrar amarelos a quem perde tempo a simular lesões, pois reduz o tempo efetivo de jogo lesando o futebol… Sérgio e os treinadores da Liga dos Campeões na UEFA, levantam nas suas reuniões as questões que entendem mais pertinentes para o futebol e sugerem medidas para se encontrarem soluções. O futebol precisa de ideias inovadoras e quem melhor do que os treinadores para as sugerir?  O presidente do FC Porto lembrou a PIDE e o medo de falar, concluindo: «Sabe… apetecia-me falar e muito, muito, muito. Mas não vou falar.»

A Liga 

A última jornada revelou que as quatro equipas que vão na frente da classificação venceram os respetivos jogos (FCP foi quem conseguiu resultado mais dilatado). Toni, antigo treinador do Benfica, teceu duras críticas sobre a construção do plantel do seu clube, que classifica como «mal concebido e equipa sem alma, jogadores arrastados por discurso não aglutinador».
Merece destaque o Rio Ave, com recente mudança de treinador, que após um excelente início de época perdeu fulgor (há seis jornadas que não vencia) e finalmente conseguiu regressar às vitórias e com 3-0 sobre o Portimonense. Os vizinhos Moreirense e Vitória empataram, assim como o Boavista (que está a ter dificuldade em descolar dos lugares de risco) empatou com Santa Clara. Farense deu um salto importante na classificação ao vencer Gil Vicente. Paços de Ferreira venceu Belenenses no Jamor e mantém luta, com Vitória de Guimarães, por lugar europeu. Uma referência e alerta final para um vício que não é original, com infeliz tradição que não pode ser tolerada. Trata-se de esquema para desestabilizar jogadores de clubes rivais, à revelia dos clubes aos quais estão ao serviço, inclusive com estratégias de pressão que passam pelo empréstimo ou não de jogadores. Basta estar atento. Sobre este assunto, Carlos Carvalhal afirmou: «O que se está a passar hoje é uma vergonha, é horrível. É inadmissível colocar em causa a integridade das pessoas e os jogadores sofrem esta pressão.»

Desistências sem descidas 

F OI divulgado pela FPF que três clubes da Madeira vão desistir da edição 2020/2021 do Campeonato de Portugal mas assegurando automaticamente a sua posição nesse Campeonato, por causa das limitações dos apoios que o Governo Regional determinou em função da pandemia.
Essa situação não se aplica ao Marítimo (B) porque tem estrutura profissional e disputará os jogos no Continente. Claro que cada região tem as suas especificidades, mas um campeonato tem de manter as mesmas regras. Esta época, essa prova que deveria incluir 96 equipas distribuídas por 8 séries, vai passar a ser, não o terceiro mas o quarto escalão do futebol português, disputado por 60 clubes. Pela desistência, as equipas madeirenses (Camacha, U. Madeira, Câmara de Lobos) verão todos os resultados anulados, para «manter a integridade da prova». Os resultados dos jogos com essas equipas foram anulados. Mais do que analisar esta decisão, seria importante refletir nas diversas desistências e construir um plano para estabilizar o futebol nacional, antecipando problemas globais. Só não aprende quem não quer ou quem não é capaz. 

Sinais dos tempos 

A NDRÉ VILLAS-BOAS identificou sinais nas mudanças que aconteceram no futebol nos últimos anos. Os próprios diretores desportivos passaram a ser ativos transferíveis, o que significa que nem eles asseguram a continuidade de um projeto. E deparámo-nos com situações inéditas: os proprietários não existem, os CEO cada vez mais se limitam a fazer cumprir as determinações económicas dos proprietários, os diretores desportivos são transferíveis e não ficam no mesmo clube mais do que um ou dois anos. O resultado é que os projetos de formação dos clubes ficam em causa e multiplicam-se aqueles que não têm qualquer rumo, nem visão desportiva que os sustente. Talvez o único aspeto positivo da crise que o futebol mundial atravessa nesta altura, seja que a falta de sustentabilidade financeira que se avizinha force os clubes a traçar linhas mais objetivas em relação ao futuro. Que sejam obrigados a planear a quatro ou cinco anos e que respeitem esse planeamento para garantir a própria sobrevivência. 

Remate final 

L UÍS Marques Mendes, adepto benfiquista, em 03/05/2020 comentou a escolha da deputada Cláudia Santos para presidir ao Conselho de Disciplina da FPF: «Pouca gente se apercebeu no País. Li uma, duas, três vezes e não queria acreditar. Uma deputada na Assembleia da República quer ser deputada e presidente do CD da FPF. Não tenho nada contra a deputada, não está em causa a pessoa nem as suas qualidades. É um problema político e ético, de promiscuidade entre futebol e política. Fiquei de cabelos em pé quando soube que já há projeto de parecer favorável da Comissão de Transparência da Assembleia. Primeiro, já é séria a ligação entre futebol e política e é má para todos. Depois, falamos de um órgão de polémica permanente e isto mina a imagem do Parlamento. É uma vergonha e é nocivo para todos.» O tempo vai confirmando completamente as preocupações de Marques Mendes!

Sinceras condolências às famílias do jogador de futebol do Alverca, Alex Apolinário, e do jogador de basquetebol do Mirandela Basquetebol Clube, Paulo Diamantino.