O penálti tecnológico

OPINIÃO09.04.202206:30

A única coisa que se percebe é que o penálti tecnológico é um exclusivo do Paulinho ou pelo menos tem a ver com ele

H Á penáltis que não são assinalados, mas são penáltis; há penáltis que são assinalados mas não são penáltis; há penáltis que são transformados em golos e há penáltis que são defendidos e outros que vão para fora. Há penáltis que são assinalados e são penáltis e há penáltis não assinalados que não são efetivamente penáltis.
No fim de semana passado nasceu, na mente criativa de Duarte Gomes, uma nova modalidade de penálti: o penálti tecnológico! A criatividade de Duarte Gomes é a segunda vez que me suscita interrogações. A primeira, porque na altura a tomei como inédita, foi determinada por um empurrão ao treinador de guarda-redes do Sporting, durante o aquecimento.
Agora, de segunda-feira para cá, interrogo-me sobre o que é um penálti tecnológico. Penálti, sei o que é. Já ouvimos falar há mais de 35 anos do penálti marcado à Panenka como o penálti mais insolente de todos penáltis; agora o penálti sofrido pelo Paulinho foi baptizado como um penálti tecnológico, que francamente não sei o que é. Também não deve ser para perceber, porque há coisas dos árbitros que nunca vamos perceber e, por isso, desconfiamos deles.
Fui ao dicionário: relativo a tecnologia! E a minha dúvida aumentou, porque fiquei sem saber se a tecnologia é do guarda-redes, se do jogador que sofreu a falta ou do VAR. Tecnologia é a ciência cujo objecto é a aplicação do conhecimento técnico e científico para fins industriais, comerciais e outros.
Continuei sem perceber e por isso fui tentar perceber a crónica onde esse tipo de penálti foi inventado: «Paulinho teve exactamente o que quis ao perceber que André Ferreira saiu da baliza para fechar o ângulo: o pé esquerdo do guarda-redes adversário junto ao relvado o suficiente para que o contacto fosse inevitável e justificasse assim a sua (mais do que tardia e teatralizada) queda. Penálti tecnológico sim, porque houve ali causa e efeito, embora apenas de percepção televisiva. Quanto à intervenção do VAR, simplesmente não se percebe. Foi a antítese total daquilo que um dia nasceu para ser: ‘Mínima intervenção, máxima eficácia’. São em infracções destas que gostaríamos de ouvir a voz de todos aqueles que defendem o chamado futebol total. O tal que devia permitir contactos sem interrupções ou paragens em excesso. Todos nós (todos) temos o futebol que merecemos.»
Profundo conceito, literariamente límpido e transparente, que abrange a ciência, a arte e a filosofia. Profundo demais para ser percebido por um simples mortal como eu, o que significa, em bom português, que não percebi peva! Ou melhor: não percebi se o penálti, dito tecnológico, é penálti ou não na opinião do comentador?...
A única coisa que se percebe é que o penálti tecnológico é um exclusivo do Paulinho ou pelo menos tem a ver com ele. Mais complicado é perceber se é cientista, actor de teatro ou filósofo?
Na minha modesta interpretação, Paulinho, ao ter exatamente o que queria, actuou como um cientista da bola, que tira o efeito da causa, ou seja, consegue que o pé do guarda-redes venha tocar o seu pé, isto é, que o adversário o rasteire, como diria o simples adepto que não foi além da quarta classe.
Se o cronista acha que a queda é teatralizada, isto é, que o Paulinho tornou a queda representável em teatro, só tenho que elogiar Paulinho por mais esta qualidade a acrescentar à sua qualidade a jogar futebol: a de encenador o que o diferencia dos artistas, porque num desafio de futebol estamos mesmo habituados a grandes artistas, que não propriamente os jogadores!...
A parte filosófica do conceito de penálti tecnológico abstenho-me de comentar porque, na realidade, não tenho preparação para tal. Mas eu, inculto e analfabeto, não diria que todos nós temos o futebol que merecemos, mas sim que jogadores e treinadores não têm os árbitros que eles e nós merecíamos!...
Eu percebo esta revolta pela intervenção do VAR, porque o VAR veio acabar com a desculpa do errar é humano, que cobria o erro doloso e muitas vezes premeditado. Mas os responsáveis pela arbitragem, e pelo comentário dela, não precisam de se preocupar com o penálti tecnológico nem arranjar definições tão retorcidas, quando o que está em causa é uma coisa tão simples como a verdade desportiva, benéfica para uns e incómoda para outros. Pena é que não haja o livre tecnológico e o cartão amarelo tecnológico, porque hoje é no meio campo que se desequilibra o jogo e muitas vezes o jogo que se segue!...
 

Reflexões à volta do «penálti tecnológico» sofrido por Paulinho ante o Paços de Ferreira


ONTEM E ANTEONTEM

O NTEM e anteontem foram dias muito diferentes nas sensações, apenas com uma coisa em comum: o desporto e, em particular, o futebol.
Lembro-me sempre de alguém que me dizia que entre os quarenta e os cinquenta anos de idade, os amigos se encontravam nos casamentos dos filhos e nos funerais dos pais. Não seria uma regra, mas acontecia muitas vezes. Eu próprio perdi o meu Pai quando tinha quarenta e a minha Mãe quando tinha cinquenta. Acabei por comemorar os 60 com muitos amigos, grande parte dos quais ganhos no futebol e em particular no Sporting! Agora vivo um tempo em que quase todas as semanas tenho que recordar os amigos que partem: é a lei da vida a dizer-nos que a morte é certa e é a única que não se pode revogar. Por isso, às vezes devia ser mais justa!...
No princípio da semana tinha-me chegado notícia do falecimento do Rui Pinheiro, um dos grandes jogadores do basquetebol português, um homem bom e de bom humor, com quem convivi por diversas vezes, particularmente nos núcleos, que entre os muitos serviços que prestam ao Sporting têm essa particularidade muito especial de estar atentos à história do clube, homenageando os seus protagonistas nestes quase 106 anos de história. Curiosamente, o meu maior contacto com Rui Pinheiro (Lisboa e Baganha) foi exatamente na altura em que o Sporting rompeu com o basquetebol e estes atletas, campeões nacionais pelo clube, foram para o Queluz. Eu era nessa altura membro do CL, mas, como o Sporting tinha terminado com a modalidade, fui convidado para presidente do Conselho Jurisdicional da Federação de Basquetebol, tendo na fase final do campeonato exercido as funções de presidente do Juri d’Appel. Se bem que não o tenha podido manifestar, por razões óbvias, fiquei muito satisfeito com a vitória do Queluz. O Rui Pinheiro, como eu e muitos sportinguistas, terá ficado feliz com este regresso vitorioso do basquetebol leonino. Que tenhas terminado os teus dias feliz e paz à tua alma.
Terça-feira, jantar dos Stromp e a notícia da morte de Carvalho - do meu amigo Joaquim Carvalho -, um guarda redes grande, no coração e na alma, que aliás só podia caber num corpo grande. Grande choque, por mais um que desaparece dessa grande equipa que ganhou a Taça das Taças, que me fez sócio do SCP desde então até hoje. Vinha só, no meu carro, de Odivelas, integrado no cortejo fúnebre a caminho de Alvalade, e assim pude deixar correr uma lágrima de saudade, não só desse tempo, mas também de um mais recente em que convivi com ele e a sua esposa, algumas vezes no meu carro, a caminho dos núcleos, que muito o acarinhavam. Parei em Alvalade para uma singela, mas muito bonita homenagem a esse gigante das nossas balizas! E lá estavam os meus ídolos Pedro Gomes, Alexandre Baptista, José Carlos. Só não estava o meu querido Amigo Hilário, por razões de saúde, esse então companheiro de incontáveis viagens aos núcleos, comigo e com a minha mulher. Acho que só Jesus Correia o igualou. Como calculam foi uma quinta-feira de intensas recordações da vida leonina.
Ontem, sexta-feira, vivi também sensações bonitas e, felizmente, com satisfação, num almoço habitual de amigos em Setúbal, mas desta vez serviu também para comemorar os 91 anos do meu grande Amigo Fernando Pedrosa, que muito me ensinou. Ele merece que o Vitória regresse em breve, porque é um clube com uma grande história, que eu não esqueço por ter vivido algumas noites de glória em Alvalade, mas com o Vitória de Setúbal. E tenho muitas recordações e boas lembranças com Fernando Pedrosa e o Vitória!
Quando regressava a casa, ontem bem mais feliz do que anteontem, só pensava: devo muito ao futebol, mas também dei muito de mim ao futebol. Uma coisa, porém, é certa: que nunca poderei pagar as amizades que nele ganhei. Quanto mais não fosse, por isso, continuo a gostar de futebol e do futebol. Ainda há muita gente boa!...