O penálti pós-jogo em Madrid

OPINIÃO01.11.202205:35

O futebol não pára de nos surpreender. Por isso somos tão apaixonados na forma como o vivemos

NA última jornada da Liga dos Campeões ocorreu um lance daqueles que muitas pessoas jurariam poder ver-se apenas na PlayStation...
O facto não anula obrigação dos árbitros: terem que esperar o inesperado e estarem, em todos os momentos, preparados para tudo. Como diz Pierluigi Collina: «Don’t be lucky, be ready».


ESCLARECIMENTO TÉCNICO

Recorda-se: o VAR do Atlético Madrid-Bayer Leverkusen chamou Clement Turpin, árbitro do encontro, pa- ra alertá-lo para um possível pontapé de penálti favorável à equipa espanhola, no último lance do encontro (já depois de esgotado o tempo de compensação). A chamada aconteceu após o apito final.
O internacional francês fez aquilo que lhe competia: foi ver as imagens. Desse visionamento resultou a validação da indicação, ou seja, Turpin concordou que a mão na área de um defesa da equipa alemã tinha si- do irregular. Discutível ou não, foi a leitura técnica de ambos.
Primeira nota a reter: este procedimento é legal. Ou seja, o vídeo árbitro pode (e deve) alertar o seu colega de campo para qualquer lance relevante que seja mal analisado até mesmo nos instantes finais do jogo, tratando-se de erro evidente, na sua opinião, e protocolado. O pontapé de penálti está.
A partir daí, o que aconteceu foi para esquecer, ou melhor... para recordar. A tensão do momento, a pressão sentida em torno da decisão e tudo o que de atípico sucedeu após essa momento, terá perturbado por completo a lucidez da equipa de arbitragem.
Para que conste, quando um pontapé de penálti é decidido nestas circunstâncias, há especificidades técnicas que têm que ser cumpridas: nunca pode haver recarga nem haver mais jo- -go depois. Resumindo, não pode registar-se mais nada. Não esqueçamos que o encontro já terminou. Aquele é um momento de exceção, que visa só corrigir um erro de análise na reta final do encontro.
O pontapé de penálti deve ser da- do por concluído depois de produzido o seu efeito. E quando é que isso acontece? Quando o remate resulta num golo, a bola sai do terreno de jo- go, o pontapé é devolvido pelo poste/barra transversal e o guarda-redes defende (foi o que aconteceu).
Turpin, momentaneamente, distraíu-se e permitiu a recarga de Koke, provando a todos que teve «luck» e não estava «ready». Se a segunda bola tivesse entrado na baliza do Leverkusen e o golo fosse validado, estaríamos a falar de um erro de direito, que validaria o protesto e até uma (provável) repetição do jogo. O francês também veria em risco a sua presença no Mundial do Catar por incorrer num lapso inadmissível a este nível. UEFA e FIFA não gostam de beliscões destes!
Pior: o capitão do Atlético, que fez a recarga à barra (!), também estava a infringir quando o pontapé foi executado (não respeitou a distância devida) e beneficiou dessa irregularidade. Se o seu remate resultasse em golo, o VAR teria de intervir; em boa verdade, já o devia ter feito antes, para gritar ao colega: «Acaba já isso!».
O expoente máximo do desnorte foi permitir-se que João Félix, avançado do Atlético, estivesse atrás do árbitro assistente no momento do pontapé, algo proibido pelas regras (devia estar fora da área, a 9.15 m da bola, pelo menos, e atrás da marca de penálti). O internacional português estava em fora de jogo e isso, nestes lances, é só «impossível».
Foi tudo mau, mas a sorte andou por ali a esvoaçar, pousando uma, duas, três vezes. A lição para quem anda lá dentro é muito simples: nunca facilitem. Nunca baixem a guarda. Desconfiem sempre, porque algo inesperado pode acontecer a qualquer hora.
Alguém na equipa de arbitragem tinha de recordar Turpin que o lance terminava mal se tivesse produzido o seu efeito. O francês devia ter informado os dois capitães de equipa dessa condição. E, já agora, a própria lei podia dar uma ajudinha e passar a prever que, em lances destes, todos os outros jogadores (à exceção dos dois intervenientes neste lance) deviam ficar no meio-campo, como acontece nos desempates por pontapés da marca de penálti.
Felizmente, não houve prejuízos desportivos (nem financeiros), apenas imagem má da arbitragem. Na montra da Champions, é mau que chegue.