O paradoxo da abundância
JAM Sessions é o espaço de opinião semanal de João Almeida Moreira, jornalista e correspondente de A BOLA no Brasil
Desde de 30 de agosto, quando expirou o contrato com o Hajduk Split, sem clube, o médio croata Ivan Perisic assinou a 18 deste mês pelo PSV. Mas a 5 de setembro, no Estádio da Luz, lá estava ele sentado no banco ao lado do selecionador Zlatko Dalic, primeiro, e em campo, depois, para os últimos 15 minutos do Portugal-Croácia.
Na hora de convocar, Dalic deve estar-se nas tintas para saber qual é o momento de forma dos jogadores: chama os de sempre, incluindo o então desempregado Perisic, e siga. À frente de uma seleção de um país com menos de quatro milhões de habitantes, o treinador sabe que não tem base de recrutamento suficiente para experimentalismos e inovações se quiser manter os níveis competitivos.
E esse défice quantitativo tem se revelado... uma benção, traduzida em duas meias-finais seguidas de mundiais.
Já o Brasil, que desde que levantou a taça em 2002 só chegou às meias-finais uma vez e era melhor que não tivesse chegado (levou 7-1 da Alemanha), sofre daquilo que em economia se chama de maldição dos recursos ou paradoxo da abundância.
Essa tese contraintuitiva defende que países com mais recursos naturais — petróleo e minerais, sobretudo — tendem a ter crescimentos económicos mais baixos, menor desenvolvimento geral da população e índices piores de democracia do que os países com menos.
Os economistas que mais a estudaram, Jeffrey Sachs e Andrew Warner, comparam os segundos com a imensidão de cidadãos comuns que têm de administrar, tostão a tostão, o orçamento familiar e os primeiros com os raros vencedores de lotarias que gerem os rendimentos sem cuidado.
Voltando ao futebol, enquanto Dalic chamava Perisic e mais aqueles outros ic do costume, Dorival Júnior convocou em 2024, só para o ataque, Endrick, Martinelli, Raphinha, Richarlison, Rodrygo, Savinho, Vinicius Júnior, Galeno, Pepê, Evanílson, Pedro, Estêvão, João Pedro, Luiz Henrique e Lucas Moura. E ainda há Neymar. Como se constrói uma equipa — no sentido de equipa mesmo, oleada, mecanizada — se para as duas ou três posições de ataque há 16 candidatos, todas de qualidade indiscutível, uns mais velhos, outros mais novos, uns mais rápidos, outros mais fortes, todos a reclamarem e a merecerem uma oportunidade, fora mais uns quantos que a imprensa sugere e o público exige? Em suma, pobre Dorival. E rico Dalic.
Por falar no jogo com Portugal, dia 5 na Luz, além de Perisic, estiveram Livakovic, Sosa, Gvardiol, Kovacic, Modric, Kamaric, Pasalic, Budimir e Petkovic. Todos eles, com golo deste último e defesas essenciais do primeiro, eliminaram o Brasil, abundante e cheio de recursos naturais, no jogo dos quartos de final do Mundial-2022 do Catar.