EDITORIAL O Mundial na Arábia Saudita
Enganou-se quem viu o investimento saudita no desporto como um capricho fugaz e fútil
Quem pensou que a implosão da União Soviética ia concorrer para a estabilidade mundial, enganou-se redondamente. Poderes fragmentados procuraram afirmação, lideranças sedimentadas em apoios cadentes, esboroaram-se, e a nova ordem levantou poeira que resiste a assentar. Fazer contas a médio prazo, nos dias que correm, seja em que área da sociedade for, é um exercício cada vez mais falível, tantos são os imponderáveis. Mas é notável como a capacidade de adaptação continua a ser o que nos faz medrar como espécie neste planeta. Há guerra na Ucrânia? A vida não pára e as equipas ucranianas jogam na Polónia ou na Alemanha; há guerra em Israel? A vida não pára e as equipas israelitas jogam em Chipre ou Malta. Aliás, a pandemia ensinou-nos a encarar com quase naturalidade o novo normal por que passámos, e ao qual sobrevivemos, incorporando novos conceitos e formas de estar que antes eram impensáveis.
Nesta lógica de the show must go on, depois de confirmar o Campeonato do Mundo de futebol de 2030 em Portugal, Espanha e Marrocos, a FIFA veio já, com mais de uma década de distância, anunciar a Arábia Saudita como sede do Mundial de 2034. Como estará o Mundo daqui a onze anos (porque será mais um Mundial de inverno), francamente é difícil de dizer, tanta é a agitação que testemunhamos e que nos vai entrando casa dentro através da televisão, enquanto a outros, menos afortunados, entra casa dentro de formas muito mais dramáticas. Mas uma coisa parece certa: a aposta que a Arábia Saudita fez na modernização e internacionalização através do desporto é séria e não um capricho passageiro, como muitos vaticinaram. O investimento em várias modalidades, com o futebol como navio-almirante, coloca o reino saudita não só sob os holofotes do Mundo, como abre portas a alterações que doutra forma seriam inevitavelmente mais lentas. Num país onde há bem pouco as mulheres não podiam conduzir automóveis, vai nascer uma Liga feminina de futebol, com jogos transmitidos em direto; e albergar um Mundial de futebol, acolhendo milhões de turistas, irá tornar a sociedade saudita mais aberta. E para quem disser que mesmo assim a mudança não é suficientemente rápida, talvez não seja pior meditar como seria se a linguagem universal do desporto não abrisse portas que pareciam irremediavelmente fechadas…