OPINIÃO O Mundial de clubes dos desafios
Livre e Direto é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida, jornalista
Nos últimos meses, adensou-se a discussão em torno do número de jogos disputados pelos profissionais de topo, indexando-se essa realidade a uma eventual diminuição dos índices qualitativos dos encontros, das competições e da própria capacidade individual de cada atleta.
Um jogador, independentemente das condições morfológicas e de treino que o potenciam e que dele fazem um atleta de alto rendimento, é um ser humano, necessita de períodos de descanso e de recuperação.
Porém, importa sempre ter em conta que estamos perante profissionais de elite, altamente recompensados pelo seu trabalho, numa profissão reconhecidamente de desgaste rápido e, portanto, de finitude assumida.
A discussão em torno desta dualidade (elevado número de compromissos oficiais versus atividade competitiva e de entretenimento de massas) subiu a primeiro plano com a realização, no verão deste ano, do primeiro Mundial de clubes com o formato que o seu homólogo de seleções ofereceu até ao Qatar-2022. Os teoricamente 32 mais poderosos (entendendo sempre a configuração continental indispensável) estarão nos Estados Unidos da América para uma competição decerto aliciante para a FIFA (mais jogos entre emblemas globais, mais transmissões televisivas, direitos alargados, perspetivas de rentabilização de marketing decerto avantajadas, até tendo em conta a localização do evento e os seus hábitos nestes domínios), para os adeptos e para os media.
Será, no entanto, uma prova bem acolhida pelos clubes participantes ou, pelo menos, pelas suas estruturas técnicas e pelos protagonistas do relvado? Aqui surgem as primeiras dúvidas, até com declarações contundentes de figuras muito significativas do planeta Futebol. Pep Guardiola foi dos primeiros a questionar a oportunidade do torneio, acompanhado pela FIFPro (o organismo sindical internacional dos profissionais de futebol).
Como preparar um torneio com estas características, em que os conjuntos que atingirem as meias-finais farão, seguramente, sete jogos, em período de defeso na Europa, coartando (e disso convencendo os jogadores…) períodos de férias após um época recheada de desafios e impactante nos níveis físicos e psicológicos dos astros dos retângulos?
Como lidar com o excesso de treinos, de concentrações, de aviões, autocarros e hotéis, com mudanças de clima e voos longos?
E, apesar das generosas recompensas financeiras, como manter a qualidade do espetáculo (porque é disso mesmo que se trata), não iludindo organizadores, patrocinadores e adeptos?…
São novos desafios à consistência e à coesão de plantéis, ainda que se tenha de levar em consideração que o primeiro Mundial de clubes oferece uma paleta bem diversa de equipas participantes e, consequentemente, aliciantes distintos.
Se para o Auckland City, campeão neozelandês e da OFC (a confederação de futebol da Oceânia), é altamente motivador jogar esta competição, pela exposição internacional, pelo prestígio continental agregado e pela motivação total dos seus jogadores (uma boa parte amadora), para o Real Madrid, o Manchester City ou o Inter de Milão pode ser um desafio extra a necessidade de gestão meticulosa dos seus recursos humanos, tentando respeitar a prova e os seus próprios pergaminhos internacionais, mas não olvidando a necessidade de, na transição de temporadas, gerir e programar objetivos porventura faseados e distintos para os seus riquíssimos (em todos os aspetos) grupos de profissionais.
O segredo estará aqui mesmo, na gestão criteriosa e ponderada, para que as principais equipas do planeta surjam suficientemente motivadas e competitivas na América do Norte mas, ao mesmo tempo, jamais neglicenciando a programação da temporada 2025/2026, com desafios internos e externos certamente exigentes e a requererem atenção redobrada.
Os grupos de trabalho tendem a ser cada vez mais alargados, justamente para poderem fazer face a todos estes desafios. Tal acaba por, ironicamente, ser interessante na perspetiva da universalização do mercado de trabalho, com mais possibilidades e menos fronteiras, permitindo-nos, desde logo, concluir que estamos perante uma faca de dois gumes: calendário mais denso, desgastes acentuados e ainda menores e menos frequentes períodos de pausa, em contraponto com maior número de oportunidades, integração mais facilitada em estruturas de grande qualidade e competitividade, melhor rodagem e opções reforçadas para os treinadores.
Não há, obviamente, soluções perfeitas.
Benfica e FC Porto já fizeram saber, através de Rui Costa e de André Villas-Boas, que os respetivos clubes terão o maior prazer em demandar terras norte-americanas em junho e julho, colocando mesmo o Mundial como um dos objetivos principais para o ano de 2025. É, efetivamente, uma chance muito clara de (re)afirmação internacional de águias e dragões, num contexto novo e apetecível, embora, realisticamente, os prémios de participação fiquem aquém das expectativas iniciais.
Acredito, mesmo assim, que a balança será favorável aos emblemas nacionais. A exposição em sede de torneio inédito e com modelo competitivo interessante e desafiador, o seu posicionamento estratégico nas renegociações contratuais com parceiros e stakeholders, a eventual valorização de ativos que, quer se queira, quer não, terá sempre de constituir objetivo estratégico dominante e estruturante da atividade dos clubes portugueses de topo, são argumentos mais do que suficientes para considerar fascinante o desafio do primeiro Mundial de clubes, que este ano ocupará as atenções dos adeptos e dos media e virará atenções para os Estados Unidos.
Cartão branco
Não sendo um mercado habitual para os treinadores portugueses, a África do Sul terá, provavelmente, a mais bem organizada liga profissional do futebol africano. A chegada de Miguel Cardoso ao Mamelodi Sundowns, o novo menino bonito do futebol sul-africano (depois de muito domínio dos rivais do Soweto, Orlando Pirates e Kaiser Chiefs), pode abrir caminho a técnicos e atletas para uma experiência desafiante: outra cultura, outros costumes, mas uma necessidade significativa de interação com o exterior e com novas propostas futebolísticas.
Cartão amarelo
O modelo competitivo da Taça da Liga é pobre, limitativo e muito questionável. Porque, independentemente dos esforços da Liga Portugal para tornar atraente a semana da final four, é importante não esquecer que a grande maioria das equipas pertencentes ao organismo que gere o futebol profissional em Portugal nem sequer tem oportunidade de participar na competição. Para lá de completamente ilógica, é uma situação de diferenciação inaceitável, e que reduz a Taça da Liga a uma prova (?) de interesses de marketing e autopromoção que não cumpre objetivos de transversal competição. A rever ou, no limite, a extinguir.