José Boto segura uma camisola do Flamengo, clube no qual o português desempenha o cargo de diretor técnico
O português José Boto é o novo diretor técnico do Flamengo (Foto: Flamengo)

Boto, Luxemburgo e a discussão errada

JAM Sessions é o espaço de opinião semanal de João Almeida Moreira, jornalista e correspondente de A BOLA no Brasil

Nos últimos dias, José Boto, novo diretor técnico do Flamengo, disse que o Brasil é «o maior produtor de jogadores de todos os tempos». «E parece que querem fazer jogadores como na Europa, isso é um erro», concluiu.

Vanderlei Luxemburgo, treinador cujo auge está distante, festejou. «Olha que legal o que ele disse! Cadê nossa qualidade para jogar futebol? Cadê nosso drible? Cadê nossa seleção jogando da maneira que sempre jogou?»

Boto e Luxemburgo concordam que o futebol criativo e mágico, a que no Brasil se convencionou chamar futebol arte, não está fora de moda e que o país sul-americano não deve apostar na formação de jogadores baseada no futebol força ou no futebol tática.

Concordam eles e concordamos (quase) todos — até porque nunca foi isso que esteve em discussão no debate sobre a defasagem do futebol brasileiro, há cinco mundiais de seleções longe do protagonismo de outrora, face ao europeu. Se Boto e Luxemburgo acham que o debate é entre futebol arte e futebol força, estão a ver o filme ao contrário.

A Alemanha, talvez o maior exemplo histórico de futebol físico, passou a jogar nas últimas décadas sob a batuta de gente como Ozil, Gundogan, Kroos, Gnabry, Sané e Musiala, atletas mais criativos do que os do passado. O mesmo pode ser dito da Inglaterra, muito mais mágica por estes dias do que em 1966. Ou da Suécia e demais nórdicos que, aos futebolistas altos, louros e toscos, juntaram craques como Ibra, Litmanen, os irmãos Laudrup e tantos outros. Ou até da latina Espanha, cuja imagem de marca de hoje, o tal tiki taka, substituiu a imagem de marca do antigamente, a famigerada fúria.

A discussão não é, pois, futebol arte versus futebol força até porque os fortes europeus estão cada vez mais artísticos — a discussão é sobre metodologia de treino e trocas de experiência.

Em 2011, o correspondente de A BOLA, depois de anos a ver treinos em Portugal em que a cada exercício, sempre com bola, os treinadores integravam o físico, a técnica, a tática e até o mental, arrepiou-se ao ver que nos principais clubes do Brasil as sessões ainda se dividiam em 30’ de corrida à volta do campo e 60’ de rachão.

E enquanto os treinadores europeus emigravam de país para país, enriquecendo a cultura futebolística deles próprios e dos países de destino em valiosas trocas de experiências, os maiores técnicos brasileiros limitavam-se a sair de um gigante de São Paulo e ir para outro do Rio, passando, no meio, por um de Minas ou por um gaúcho, numa alegre (e milionária) estagnação.

O caminho para o futebol brasileiro se tornar novamente protagonista passa por métodos de treinos modernos que tornem os seus jogadores cada vez mais mágicos tecnicamente — e, por que não?, cada vez mais fortes física e taticamente. E pelo fim do isolacionismo a que a maioria dos seus treinadores, por comodismo ou soberba, por décadas se dedicou. O resto é papo furado.