O melhor ainda está para vir
Depois de revelada a influência de Rui Costa junto dos jogadores, a expectativa será a de que esta janela permaneça aberta
Ainternacionalização da marca Benfica não equivale a troféus no Museu Cosme Damião, mas esta é uma notícia que não pode deixar os benfiquistas indiferentes, nem mesmo os mais empedernidos face aos temas do marketing. O estudo Brand Finance Football 2023, que anualmente avalia a evolução dos clubes de futebol e o seu valor enquanto marcas, determinou que o Benfica foi a sexta marca com maior crescimento a nível global em 2023, só ultrapassada por alguns clubes das 5 primeiras ligas, entre os quais o AC Milan e o Nápoles, os dois últimos vencedores da Série A. O ranking coloca o Benfica na liderança em receitas e valor de marca.
Este resultado surge no seguimento do sucesso desportivo desta época e de uma trajetória recente que vem demonstrando o potencial do Benfica na disputa das competições europeias, onde chegou consecutivamente aos quartos de final e conseguiu, em ambas as edições, causar impressão muito positiva a toda a Europa, chegando mesmo a estar nas cogitações de muitos adeptos e analistas como um possível vencedor da prova (para não se pensar que foram só os benfiquistas que se convenceram disso). Quis o destino que esses dados fossem conhecidos na mesma semana em que o site WhoScored, uma das referências globais de análise estatística de partidas de futebol, elaborou o melhor onze da Champions com base nas métricas conhecidos e incluiu João Mário e Grimaldo no melhor onze da competição.
São notícias que me alegram, primeiro porque refletem uma dimensão empresarial do Benfica que surge como corolário do sucesso desportivo, depois porque as duas dimensões - a empresarial e a desportiva - há muito não pareciam tão articuladas de uma forma lógica para servir o primado das vitórias dentro de campo, se possível ganhando bem e de forma atrativa. Por outro lado, a capacidade que o clube vai revelando de identificar, formar e comercializar o talento, a par de uma capacidade hoje reforçada de conservar esse talento por tempo suficiente para que os adeptos dele possam desfrutar, é o caminho certo para um clube que dificilmente poderá negar a sua condição de vendedor, mas que deve aproveitar cada vez melhor essa condição.
Para que se possa considerar bem sucedida, a condição de vendedor não implica apenas vender bem, mas comprar ainda melhor. Como se diz na gíria, isto anda tudo ligado. Para se comprar bem, é fundamental que o proverbial powerpoint apresentado aos jogadores encontre correspondência na realidade. Uma boa figura na Champions contribui de forma decisiva para que o powerpoint não seja sequer necessário, bastante hoje ligar a televisão ou visitar uma rede social para encontrar novos públicos internacionais mais interessados no Benfica do que nunca (e já com reflexos positivos, assim parece, nas receitas de merchandising).
«Rui Costa é mesmo aquilo, mais um de nós», escreve Vasco Mendonça
Tudo isto dá muito trabalho, e trabalho é o que temos visto, sempre com a discrição de quem espera que o trabalho fale por si. Refiro-me evidentemente a Lourenço Coelho, mas não só. São precisas muitas decisões acertadas de muita gente para cumprir com rigor e sucesso as etapas de uma época desportiva por forma a chegar a Maio e ter argumentos para vencer as provas mais importantes, chegando a Junho com embalo suficiente para persuadir um dos mais interessantes jogadores do futebol europeu a juntar-se ao Benfica, oito anos depois de ter nascido para o futebol no Feyenoord, por considerar que o Benfica é o melhor clube para a evolução da sua carreira.
Não tenho a mais pequena dúvida que o Benfica apresentou uma proposta financeira sólida a Kokcu, tal como terá apresentado ao Feyenoord, mas os valores que hoje podem surpreender não são mais do que, repito, o corolário lógico do sucesso desportivo que o Benfica e os benfiquistas devem exigir sempre. E o dinheiro gerado deve ser usado de forma cíclica e virtuosa para injetar mais valor naquilo que interessa: a atratividade do principal produto do Benfica, que é o seu futebol e os sonhos que inspira em milhões de adeptos. Não vou fingir que passei a última época do Feyenoord a ver este jovem turco. Portugal já tem por estes dias demasiados especialistas em futebol holandês. Mas é entusiasmante ver o impacto que Kokcu teve na equipa ao longo da última época, e é igualmente entusiasmante saber que produziu esse impacto numa equipa comandada por Arne Slot, um treinador holandês muito interessante que parece privilegiar princípios semelhantes aos de Roger Schmidt.
Poder-se-ia chegar aqui e pensar: está bom assim. Mas é evidente que não é esse o sentimento geral, nem na direção nem na equipa técnica, e seguramente que não será esse o sentimento dos jogadores. Falamos por vezes em hegemonia, quase sempre mais por desejo do que por constatação, e nem sempre realçamos a importância vital de se fazer muitas coisas bem feitas muitas vezes sem soluçar, ou seja, a importância de sermos consistentemente o melhor. Acrescento eu: a importância de sermos consistentemente muito melhores. Os primeiros sinais relativos ao planeamento da próxima época parecem indicar-me que ninguém está satisfeito com aquilo que já foi atingido, o que é um bom começo.
Mas, por muito que o trabalho resulte em dados mensuráveis, seja dentro de campo ou na folha de cálculo, há também muito fator incluído nesta ponderação que não é visível a olho nu. Pelo menos era difícil de descortinar até ao excelente trabalho da equipa de produção de conteúdos do Benfica, que estreou na última semana o documentário «Eu Amo o Benfica», uma história visual de uma época que foi talvez a tentativa mais eficaz do Benfica em muitos anos de explicar aos adeptos o que é, afinal, a mística benfiquista. Para além de descobrirmos líderes improváveis, introvertidos que afinal enchem o balneário, e muita gente resiliente, descobrimos ou reforçámos uma ideia que já vinha sendo evidenciada: a de que o Benfica tem hoje um presidente muito mais interessado em comunicar para dentro do que para fora, e que tem afinal um talento raro para o fazer, galvanizando primeiro aqueles de quem mais precisa, os jogadores, para depois sim galvanizar os adeptos.
Há vários momentos de Rui Costa ao longo deste documentário que justificam o visionamento, entre muitos outros dos demais funcionários do clube, mas há uma nota geral que fica para mim. Eu considero-me cínico, mas sinto que estou disponível para ser persuadido a acreditar novamente. E, por muito que vivamos hoje num mundo performativo, em que quase tudo parece ser dito ou feito para ser visto cá fora, sei também que, por cada um desses atores da dramaturgia quotidiana, há outras figuras que, discretamente, vão exercendo a sua influência sem que deles se saiba o real impacto. Sei que, depois de revelada a grande influência de Rui Costa junto dos jogadores ao longo desta época, a expectativa será a de que esta janela permaneça aberta, porque há um lado de espetáculo e entretenimento nisso. Mas não me parece que seja essa a motivação de Rui Costa. A cena em que Rui Costa aparece agarrado ao telemóvel a ver uma meia-final da Taça de Portugal em voleibol não tem nada de encenado. Rui Costa é mesmo aquilo, mais um de nós. Mesmo sabendo que ele tem essa simplicidade, foi um gosto reforçar essa noção agora, depois de tudo ter terminado. Por mim está bom assim. Filmem outro documentário e mostrem-me daqui a 1 ano. Já sei tudo o que preciso de saber.
É sempre mais confortável e lógico dizer-se todas estas coisas depois de um título tão importante como aquele que o clube acaba de conquistar, mas este deve ser também o momento em que a união em torno do trabalho desenvolvido reforça as suas resistências para os momentos menos desportivos que possam vir. Por agora, eis o que podemos constatar: que o sucesso desportivo do Benfica parece resultar cada vez mais de um núcleo duro de decisores que querem verdadeiramente o melhor para o clube, que sonham o mesmo sonho dos benfiquistas. Quando assim é, só posso mesmo acreditar que o melhor ainda está para vir.