O Homem que trouxe a filosofia ao desporto

O Homem que trouxe a filosofia ao desporto

OPINIÃO22.04.202306:30

Manuel Sérgio fez, na última quinta-feira, 90 anos. Juntou amigos e celebrou a vida. Diz que cometeu erros mas soube sempre o caminho

M ANUEL SÉRGIO entrou, nesta ainda recente quinta feira, na última década de um século de vida. Juntou cerca de vinte amigos mais próximos e foi naturalmente o centro do convívio que juntou nomes conhecidos do futebol e do desporto nacional, como Rui Vitória, atualmente selecionador do Egito, José Couceiro (FPF), David Monge da Silva, Arnaldo Cunha, Vítor Pataco, presidente do IPDJ, José Carlos Lima, presidente do PNED, João Paulo Rebelo, ex-secretário de Estado do Desporto e da Juventude, o professor José Neto, Cancela de Abreu e ainda teve a surpresa de ver e ouvir em gravação vídeo testemunhos de José Mourinho e de José Peseiro, dois dos treinadores que mais têm assumido a importância da influência nas suas carreiras das aulas de Manuel Sérgio na velha faculdade da Cruz Quebrada. Além da mensagem de Gonçalo M. Tavares, escritor e professor universitário na FMH e que mantém pelo antigo professor uma admiração e um carinho de discípulo perante o seu mestre.

Aos 90 anos Manuel Sérgio mantém a sua principal atividade diária: ler, estudar, escrever. Falou-nos, num pequeno discurso de agradecimento («não existem palavras capazes de explicar o sentimento de um homem agradecido»), da importância da amizade nos tempos tumultuosos e desumanizados que hoje se vivem. A amizade como porto de abrigo de homens e de mulheres de caráter, de homens e de mulheres que não abdicam do seu pensamento, da sua liberdade, da sua luta permanente na recusa dos modelos dos pensamentos já pensados.
 

Manuel Sérgio recebeu bela homenagem

Manuel Sérgio continua a ser um filósofo de corpo inteiro. Às vezes a mesma ingenuidade de considerar que o pensar diferente não faz mal a ninguém e daí não entender o lado escuro de quem procura, às vezes com uma insistência irritante, diminuir-lhe a vida e a obra.


No fundo, o que de novo Manuel Sérgio trouxe ao desporto português parece ter sido coisa simples mas provocadora e disruptiva. Trouxe a filosofia ao desporto e respondeu a uma pergunta essencial num tempo em que o mecanicismo e a cultura de uma educação física fisiologista alternavam com teorias dispersas. «Em que área estamos?», perguntava Manuel Sérgio. Porque ele sempre disse que os «homens do desporto» precisavam de definir a sua área de estudo e não podiam continuar a procurar conhecimento sem uma orientação essencial de base. «Saber o que estudar», como muitas vezes me disse Manuel Sérgio, era a chave do enigma. E o professor respondeu: «Ciências humanas. O desporto está na área das ciências humanas, porque não há desporto sem o homem.» Portanto, o que se devia de estudar, de pensar, de compreender, era o homem no seu desejo natural de transcendência no movimento. Daí a ideia que fez escola e à qual tantas vezes Mourinho se referiu, de que «não há chutos, há homens e mulheres que chutam».

Muitos são hoje os seguidores do pensamento de Manuel Sérgio. Jorge Araújo e Gonçalo M. Tavares, ambos homens de cultura e de assinalável intervenção social, o primeiro mais na área desportiva, o segundo mais na complexidade do seu objeto literário, serão os discípulos mais evidentes do velho mestre. Um Homem bom, permanentemente curioso, humanista, pensador, inquieto com a sobrevivência dum legado que foi construindo durante uma vida e que deixa numa obra extensa de dezenas de livros e de textos, muitos deles publicados em A BOLA. Na celebração dos seus 90 anos confessou que, durante a sua vida, cometeu erros mas soube sempre qual era o caminho. A mensagem como conselho de homem sábio. 


DENTRO DA ÁREA

Rúben Amorim homem inquieto
No rescaldo do jogo de Alvalade, com a Juventus, Rúben Amorim deixou transparecer a personalidade de um homem inquieto, quase desesperado, talvez, mesmo, um pouco perdido ou simplesmente cansado.  Não era habitual vê-lo assim. Por norma, Rúben, nos momentos melhores e nos piores, assumia uma jovialidade contagiante e que não se apresentava, sequer, como vizinha de qualquer sentido de irresponsabilidade. Era apenas um Homem de bem com a sua consciência e convicto com o seu trabalho. O que mudou, entretanto? 


FORA DA ÁREA

O 25 de Abril 49 anos depois
Quarente e nove anos do 25 de Abril. Mais tempo de democracia do que de ditadura.Se considerarmos uma idade da razão, de consciência social e política, poucos já se lembram dessa diferença. Os que a viveram sabem que é a distância que separa um Homem livre de um Homem acorrentado. Sabem que é, pois, uma diferença essencial para a vida de cada cidadão. No entanto, a democracia precisa de nos trazer outras respostas essenciais e a verdade é que tem falhado na dignidade, na credibilidade, e até no caráter de muitos políticos.