O ‘futebol-negócio’!

OPINIÃO25.11.202002:30

Três chicotadas psicológicas em 7 jornadas indiciam que as escolhas iniciais nem sempre merecem a ponderação necessária. Aí começam os desperdícios com as inerentes consequências.
Acerto nas aquisições do Sporting, com jovens de muita qualidade, totalizando um investimento de 26,5 milhões de euros (sem incluir a transferência do treinador). Para já, um grande arranque, com muita juventude qualificada, modelo de jogo a dar excelente resultado e um calendário positivo. Agora irão surgindo mais adversários que colocam à prova as estratégias e a identidade.
Jorge Jesus organiza as equipas com uma defesa muito forte (especialmente centrais e laterais muito velozes), um meio-campo poderoso, agressivo e um ataque demolidor e rápido. Esta época revela-se atípica para o Benfica: 11 jogos com 16 golos sofridos, dos quais 9 golos em 7 jogos, meio-campo ainda por definir e alguns reforços sem a influência esperada, em função das elevadas verbas gastas. Poderá chegar ainda mais um central de qualidade.
O Braga renova-se constantemente. Não faltam jovens talentos e oportunidades bem construídas para garantir confiança e obter uma equipa forte, estruturada e com futuro alicerçado. Grande salto em termos estratégicos e qualidade de jogo, com objetivos, metodologias e liderança muito competentes.
FC Porto sem parar e até final do ano vai ter de realizar 11 jogos: próxima eliminatória da Taça de Portugal, apuramento para a Taça da Liga, mais jornadas da Liga, da Champions e ainda a Supertaça. Com um calendário assim competitivo, neste momento, só uma equipa muito focada e determinada pode aguentar. Quem assim planeia, ou desvaloriza a carga de competições ou revela desentendimento do futebol-jogo, mesmo que seja especialista no futebol-negócio. O esforço exigido à única equipa nacional na Champions até parece castigo…
A incerteza e a instabilidade emocional (Covid-19 não permite tranquilidade) podem provocar surpresas, mas Sérgio Conceição sabe criar alternativas vencedoras. A procissão ainda está no adro e muitas alterações poderão acontecer. Há clubes a quem não falta tempo para recuperar e treinar…

Taça de Portugal

A festa do futebol permite jogos inimagináveis, visitas que marcam vidas que, de outra forma, nunca aconteceriam. FC Porto foi ao Barreiro e conseguiu o apuramento para a próxima eliminatória, ao vencer por 2-0 o Desportivo Fabril (ex-CUF).
A forma como foi recebido e o desportivismo do visitado merecem reconhecimento nacional. Assim se constroem memórias únicas, se alarga a família desportiva, nascem factos importantes e por vezes lendas que perduram. A Festa do Futebol (empobrecida pela ausência de adeptos, difícil de entender em comparação com outros eventos) alarga-se por todo o País e alimenta surpresas. Quando alguns sonhos se concretizam, os clubes e as suas localidades alcançam divulgação mediática, dimensão inesquecível.
Surgem resultados com vitórias tangenciais do Braga na Trofa, do Rio Ave em Monção, do Benfica em Paredes, do Moreirense sobre o Merelinense, do Salgueiros que eliminou o Covilhã; do Boavista em Vizela e do Marítimo em Penafiel (ambos após prolongamento); do excelente jogo do Beira-Mar, mesmo perdendo com o Santa Clara, assim como apuramentos por desempates de pontapés de grandes penalidades que permitiram a continuidade do V. Guimarães em Arouca e do Gil Vicente em Oleiros. Sporting goleou Sacavenense no Jamor.
A surpresa da eliminação do Portimonense em Leiria foi um dos jogos onde a Festa do Futebol aconteceu. A dinâmica que as localidades criam à volta desses jogos restauram confiança, proximidades e ajudam a perpetuar memórias que se transmitem por gerações, numa tradição oral que orgulha, mesmo que se acrescente alguma fantasia que passa de uns para outros, como bola preciosa e vaidade legítima.
Entretanto, selecionam-se possíveis reforços para a nova janela de transferências. Nesta competição, por vezes, surpresas transformam-se em certezas. E o regresso de Hulk será sonho ou possibilidade, no universo portista?

Os jogadores são humanos, não robôs!

Calendários tão preenchidos provocam muitas e graves lesões nos jogadores com a indiferença dos investidores. O futebol-negócio controla totalmente o futebol-jogo. Por isso, a calendarização das competições aumenta sistematicamente de exigência, ultrapassando limites razoáveis. Sucedem-se lesões e cada vez mais graves.
A pandemia provocou redução das férias pela preocupação em normalizar os quadros competitivos. Um exemplo: a final da Champions em finais de Maio passou para Agosto, com recomeço dos campeonatos nacionais nos inícios de Setembro. A redução das férias, quer a nível mental quer a nível físico, não permitiu recuperações completas, mas épocas praticamente seguidas e sem pré-época.
Em Portugal, a Liga terminou no final de Julho, a final da Taça de Portugal veio no início de Agosto e a época de 2020/21 iniciou-se, para quem tinha apuramentos para competições europeias, no início de Agosto e para os outros em 18 de Setembro. Sucederam-se lesões graves por causa da densidade competitiva dos que participam nas provas europeias, com jogos de três em três dias, em várias semanas.
Incapacidade para jogar, tentativas de recuperação céleres que nem sempre resultam, que implicam meses de recuperação, numa lista alargada de clubes, em vários países. Razões são fáceis de identificar: elevado esforço sem recuperação capaz, praticamente sem pausas e um número exagerado de jogos muito disputados.
Quem dirige e organiza as competições esqueceu que os jogadores ainda são humanos, por isso os treinadores de clubes e os selecionadores trocam argumentos e discussões. Lesões (e estádios vazios) potenciam consequências da pandemia que carecem de medidas para defender os protagonistas, sem os quais os jogos perdem qualidade, emoção, entusiasmo e até menos rendimentos, porque as estrelas em falta não permitem manter um elevado nível de jogo e atração.
Se a temporada teve de ser reajustada, deveria ter tido em conta os efeitos sobre as capacidades dos jogadores e não como prioridade aspetos financeiros: sem público, com transmissões televisivas constantes, afastam progressivamente o empenho do universo de espectadores, embora a oferta de apostas cresça sem parar.
O adepto quer ver os melhores, os que fazem jogadas que só alguns conseguem. Sem condições físicas no máximo e com uma carga competitiva muito forte, o futebol perde excelência. Para os planificadores do futebol-negócio vai surgir um momento em que sentirão na pele os efeitos dos erros cometidos. Os jogadores são simplesmente humanos, ainda que muito talentosos.

Remate final 
Jorge Valdano escreveu sobre a mudança de paradigma ocorrida há cerca de vinte anos, que criou novas ligações entre o jogo em si e o marketing de «uma indústria sem chaminés». Os jogadores passaram a heróis, o recomeço da época tornou-se digressão e o futebol um enorme negócio. Alertou também para a urgência de treinadores e jogadores se fazerem ouvir para nunca se esquecerem de que «a matéria-prima desta indústria são seres humanos.» E desde aí, não param de surgir várias vozes a chamar a atenção para as consequências de perigos muito elevados.