O ‘fair play’ não é uma treta
Esta maré positiva tem tido maior projeção mediática, o que só incentiva a repetição
TEMOS por norma olhar para a parte do copo que está meio vazio. Somos assim, por natureza, uns eternos inconformados. Uns insatisfeitos. Valorizamos pouco o que se faz de bom, tal é o foco que colocamos no que se faz de mal ou no que (achamos que) não se faz de todo.
Esse espírito crítico, quando não movido por malabarismos desestabilizadores (e é importante sublinhar que há muita gente, dentro e fora das cúpulas de poder, que tem apenas e só a intenção de criar o caos), é uma importante ferramenta de aprendizagem e evolução. Que nunca o percamos, que nunca deixemos de colocar o dedo na ferida que entendemos estar por fechar. Mas a convicção pessoal que colocamos nessa postura não pode nunca ser maior do que aquela que damos ao elogio, quando o elogio se impõe. Não pode nunca ser maior do que aquela que oferecemos ao tanto de bom que se faz, quando o que se faz é bom. E é aí que falhamos. Falhamos quando permitimos que aquilo que criticamos tenha mais tempo de antena do que tudo o que elogiamos, como se esse fosse o único contributo válido que pudéssemos dar ao desporto. Não é.
E a verdade é que esse universo, que tem muito para melhorar e evoluir, também nos tem brindado com momentos absolutamente fantásticos, que revelam o melhor que há em cada um dos seus maiores atores.
Ultimamente têm surgido, um pouco por todo o lado, múltiplos exemplos de fair play, gestos de pura nobreza, que nos fazem acreditar que ainda há valores bem maiores do que o mero valor da vitória: de massagistas a prestarem assistência médica a adversários a jogadores que abdicam de golos porque um dos defesas contrários está lesionado... de avançados que dizem ao árbitro que não sofreram falta para penálti a outros que ajudam os adversários caídos no solo... de ciclistas que dão a mão a rivais em dificuldades a maratonistas que não deixam o colega fraquejar desidratado... de árbitros que tentam socorrer miúdos inanimados no relvado a pilotos que encostam o carro acidentado para não prejudicarem os concorrentes que o perseguiam... em cada pista, pavilhão, circuito ou estádio multiplicam-se os momentos de cartão branco. E não esqueçamos que esse prémio simbólico - cujo crescimento exponencial muito se deve à equipa do PNED (Plano Nacional de Ética no Desporto, do IPDJ) do incansável José Lima - tem dado ao desporto momentos de pura magia, que convém guardarmos com carinho.
Toda esta maré positiva tem tido também maior projeção mediática, o que só incentiva à sua repetição, um pouco por todo o lado. E isso é excelente! Os nossos filhos e netos precisam de referências boas. Os seus colegas e amigos também. Referências que possam assimilar, aprendendo que aquilo que fazem a dado momento nunca pode ser maior do que quem são a toda a hora.
O fair play não só não é uma treta como é a base de tudo. No desporto e na vida.
Ganhar sim, mas com respeito, ética e desportivismo, senão nunca será ganhar. Será outra coisa qualquer.