O exemplo de Espanha
Com Rodri, Nico Williams ou Yamal estão mais próximos de brilhar (Foto Imago)

O exemplo de Espanha

OPINIÃO14.07.202409:30

'Nuestros hermanos' merecem ser campeões europeus

O Euro-2024 termina hoje com um grande jogo entre Espanha e Inglaterra. As duas seleções têm características diferentes e muito talento: Bellingham, Saka, Kane, Foden ou Rice vs Yamal, Nico, Olmo, Fabián Ruiz ou Rodri. Contudo, coletivamente, a seleção espanhola tem-se destacado. Independentemente do resultado final, para mim, Espanha já venceu pelo exemplo. Trouxe uma forma de jogar que encanta e delicia quem gosta de futebol. Dominou todos os adversários que encontrou e teve de enfrentar seleções de grau de dificuldade elevado: Croácia, Itália, Alemanha e França. Pelo trajeto, pela qualidade, pela alegria, pela filosofia e pela forma como se impuseram perante todos os outros, Espanha é um exemplo e merece ser campeã europeia.

De la Fuente

Ex-jogador, atuava como lateral esquerdo, tendo vencido duas ligas, uma Taça e uma Supertaça de Espanha. Já enquanto treinador, liderou alguns clubes sem grande relevo. Onde se tem destacado é nas seleções espanholas. Foi campeão europeu de sub-19 (em 2015) e de sub-21 (em 2019) e ganhou a Liga das Nações em 2022/23. Sucedeu a Luis Enrique, herdando um estilo de jogo atrativo, dominador e onde o coletivo foi sempre mais importante que o individual. Luis Enrique, seu antecessor, teve a capacidade de eliminar os egos na seleção, sendo muito criticado pelas convocatórias que foi fazendo. Na minha opinião, uma parte do sucesso que a seleção espanhola está a ter neste Europeu deve-se à filosofia e forma de estar que Luis Enrique introduziu.

O ADN foi implementado e respeita a cultura dos jogadores espanhóis do século XXI. De la Fuente teve a inteligência e perspicácia de perceber o que de bom estava a ser feito e, não só, seguiu a filosofia do seu antecessor, como manteve a coerência nas convocatórias, com jogadores que têm as caraterísticas ideais para a forma como pretende jogar e que sabem respeitar as suas decisões.

Ideia de jogo

O sucesso depende sempre de muitos fatores. Um dos principais passa por conseguir fazer com que os jogadores acreditem na ideia de jogo e se mantenham fiéis à mesma. A Espanha de De la Fuente é uma equipa dominadora, que sabe ocupar os espaços e que tem movimentos bem definidos para potenciar as caraterísticas dos seus atletas. Por exemplo, durante os 90 minutos a seleção espanhola consegue criar condições para que os seus extremos (Yamal ou Nico) façam situações de um contra um, fazendo com que nesse momento possam existir desequilíbrios. Fabián Ruiz, Pedri ou Olmo, apesar de serem diferentes, percebem as funções que lhes estão destinadas. Olmo tem mais chegada à área, é agressivo, reage bem à perda de bola e aproveita os espaços deixados pelos movimentos de Morata. Pedri tem uma enorme visão de jogo, capacidade de circulação de bola e define quase sempre bem. Fabián Ruiz tem segurança na posse de bola, sabe entrar dentro de área e finalizar e tem a capacidade de, defensivamente, ocupar o seu espaço com agressividade.

Rodri – o comandante

Atrás de Fabián Ruiz, Pedri ou Olmo está um dos melhores jogadores do mundo: Rodri. Tem uma capacidade incrível de ler o jogo, de simplificar, de definir o momento de pressão e empurrar os colegas, de perceber quando está marcado e tem de arrastar os adversários ou quando tem espaço para ser ele a construir. Tem capacidade de remate de longa distância. É o comandante e é aquele que transmite calma e segurança quando as coisas não correm tão bem. O jogo com a França foi um exemplo. Depois de começar a perder tão cedo, era fundamental manter a concentração e continuar a seguir o caminho e o ADN espanhol com paciência. Rodri foi fundamental para que tal acontecesse. Com Rodri, Yamal ou Nico estão mais próximos de poderem brilhar.

Coletivo ‘vs.’ Individual

Para termos uma noção da qualidade coletiva de Espanha devemos fazer a seguinte questão: antes da competição, quantos jogadores da seleção espanhola colocaríamos como titulares no melhor onze do Euro? Ao dia de hoje, e depois de analisar a prestação dos jogadores espanhóis, possivelmente encontraríamos vários jogadores que encaixariam nesse onze. Tal acontece porque a forma de jogar da seleção espanhola valorizou, praticamente, todos os jogadores envolvidos. Contudo, antes de a competição começar, só encontro um jogador que teria lugar cativo num onze formado pelos melhores jogadores (por posição) das seleções em prova. Esse jogador é o Rodri mas, com a competição a terminar, já olhamos para vários jogadores espanhóis com outros olhos. Isto acontece porque o coletivo de Espanha foi (até ao momento) o mais forte e completo. É a equipa que pratica melhor futebol e que mais vitórias tem na competição. Já esteve em desvantagem no marcador (por duas vezes) e soube reagir sem ter de alterar a sua forma de jogar e sem se deixar levar pela pressão ou ansiedade. Com o passar dos jogos, e com as exibições a subirem de nível, os jogadores foram ganhando cada vez mais confiança, mais união e compromisso entre todos. Ao contrário do que referiu Roberto Martínez, as seleções fortalecem-se com boas exibições e golos e não com vitórias nos penáltis.

Saber dar tempo ao tempo

A performance de Espanha no Euro é o resultado de vários anos de trabalho. Não é fácil substituir jogadores como Iniesta, Xavi, Busquets, Fàbregas, David Villa ou Sérgio Ramos. Não é fácil manter o ADN quando as coisas não correm bem. A realidade é que quando se acredita muito numa ideia de jogo e se tem a coragem de a implementar, nas derrotas e nas vitórias, o sucesso está muito mais próximo. No Mundial, Espanha foi eliminada (injustamente) nas grandes penalidades frente a Marrocos. Estava tudo mal? Não. Estava tudo perfeito? Não. A ideia de jogo ou a forma de jogar estavam bem claras e definidas. A continuidade fez a diferença.

Egos

Outro ponto fundamental no sucesso de Espanha é a ausência de egos. Todos percebemos que existe uma liderança respeitada e bem definida. A convocatória foi feita em função da forma como De la Fuente pretende jogar. O onze inicial tem em conta as características dos jogadores e forma como se complementam. A estratégia para os jogos passa por ser uma equipa dominadora, que respeita os adversários e que sabe que, em alguns momentos, terá de sofrer. Pode alterar alguns movimentos para potenciar as caraterísticas dos seus jogadores, mas nunca altera o seu padrão de jogo. Existem diferentes caminhos para se chegar ao sucesso. No caso de De la Fuente ou Luis Enrique, o caminho passa por serem dominadores no jogo, por fazerem com que os jogadores, independentemente dos adversários e das circunstâncias, tenham a capacidade e personalidade de assumir esta forma de jogar. Isto só se consegue se todos tiverem qualidade, compromisso e se perceberem que o coletivo está acima do individual.

A valorizar:

Yamal

Incrível a qualidade e maturidade que o jovem de 17 anos (feitos ontem) demonstra. O seu golo contra a França nas meias-finais é uma obra de arte. Valorizou-se muito neste europeu. Se não tiver lesões, poderá marcar a sua geração.

 A desvalorizar:

Didier Deschamps

Com tanta qualidade individual à disposição, França nunca se apresentou como uma verdadeira equipa e foi vivendo de rasgos individuais. Um futebol pobre que se refletiu nos quatro golos marcados em seis jogos. Muito pouco para quem tinha tantas soluções.

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