O elogio de Sérgio Conceição
Suponham um campeonato entre as dez melhores equipas do mundo, cuidadosamente organizadas com os melhores jogadores do mundo e lideradas pelos dez melhores treinadores do mundo. Uma coisa seria certa: haveria um primeiro e um último classificado.
Esta reflexão surge na sequência de uma ideia apresentada na última quinta-feira à noite, durante a Quinta da Bola (A BOLA TV), pelo Professor Monge da Silva, figura central do crescimento do futebol português no último quarto do século XX e, hoje, como não raras vezes acontece a quem não se põe em bicos de pés em frente a uma qualquer câmara de televisão, figura pouco recordada.
A verdade é que o futebol continua, apesar dos esforços de alguns desqualificados comentaristas das tertúlias televisivas, a não ser uma ciência positiva. O futebol é teimoso. Querem-no moldado aos parâmetros da exatidão, da racionalidade do rigor tático, da exaustiva investigação matemática, mas o futebol resiste e aninha-se, entusiasmado, na imprevisibilidade da própria condição humana. Manuel Sérgio há muito que explicava isso a Jorge Jesus e se houve coisa que o afamado treinador reteve e admite como uma mais-valia do seu saber é, precisamente, a ideia de que tinha de tentar entender o homem, antes de poder ensinar o futebolista.
Ora, o problema que daqui resulta, é o de se entender que, se seguirmos esta linha de raciocínio, o melhor treinador de uma equipa de futebol não é o melhor técnico, nem o melhor tático, mas o que mais e melhor coordena o saber do jogo com o saber da gestão humana dos seus jogadores, para fazer com que a equipa seja mais do que a soma da qualidade individual de cada um. E essa simples constatação não é aceitável para quem se extingue no suposto conhecimento do jogo e faz disso uma arma de conquista decisiva, se não, mesmo, exclusiva, do fantástico mundo da bola.
Muitos dos novos treinadores portugueses têm, felizmente, seguido a visão mais complexa da profissão e consideram as ciências humanas como fundamentais. Além de reconhecerem a importância da gestão das diversas personalidades com que trabalham diariamente, reconhecem a importância da comunicação, conseguindo, os mais qualificados e mais autónomos, desprenderem-se dos conceitos da comunicação institucional, normalmente pobre e pouco ou nada atrativa.
Um exemplo, hoje, de treinador português moderno, competente e com sucesso é o de Sérgio Conceição. Claro que os critérios de competência do treinador são aferidos pela consistência dos resultados, em função da qualidade da equipa, mas mais importante do que o resultado será a soma desses resultados com as circunstâncias em que são obtidos.
Ora, Sérgio Conceição tem conseguido resultados sólidos, tendo criado e sustentado uma equipa que não se desgasta com o treino árduo e não se diminui com a rotina da vitória. Uma das razões é de natureza comunicacional. Sérgio alia a genuinidade do discurso com a sua personalidade e isso faz dele um líder verdadeiro, um líder em que é fácil acreditar.
O discurso de Sérgio Conceição é, hoje, um caso à parte no universo monótono e desmaiado das conferências de imprensa. Não apenas no que à sua equipa diz respeito, aos seus adeptos, ao seu mundo portista, mas também ao mundo exterior, até pela amplitude dos conceitos que aborda, como ainda ontem se verificou, no momento em que enalteceu a hora do clássico de hoje, lembrando que este é um horário de família e justificando que prefere sempre jogar com um estádio cheio, e, se possível for, com muitos jovens e muitas crianças nas bancadas.