O dobro!

OPINIÃO04.09.202003:30

Do pouco que já se viu do Benfica versão 20/21 já se viu muito do que vai ser diferente no Benfica de Jesus. Já sabemos que faltam jogadores - o Benfica continua no mercado - e já sabemos que dos jogadores que vemos agora alguns provavelmente já nem estarão no clube dentro de um mês, quando for dada ordem de fecho de transferências. Seja como for, este Benfica está bem diferente, e nalguns casos, passe um pouco o exagero, jogadores iguais já jogam o dobro!
Dois jogos em quatro dias mostraram aos adeptos encarnados um aperitivo do que pode vir a ser o novo Benfica de Jorge Jesus. E mais do que ver jogadores - porque chegarão, entretanto, outros - a curiosidade estava em ver o espírito, a ideia, a atitude, a intensidade, o estilo. E nisso, aposto que os adeptos reconhecerão que este Benfica já não tem nada a ver com o anterior.
Este sábado, quando receber no Estádio da Luz a muito interessante equipa francesa do Rennes, que no último campeonato conseguiu fantástico 3.º lugar final e qualificação imediata para a fase de grupos da Liga dos Campeões, o Benfica completa semana intensa de jogos de preparação e deixa já alguns traços fortes do seu novo retrato, algumas linhas definidas do seu novo rosto.

O nível de intensidade em campo é, agora, muito mais exigente, e a equipa faz muito mais pressão no meio-campo do adversário, encurta-se e encurta o espaço ao opositor, cai sobre a linha defensiva contrária quando esta tenta organizar a saída, e tem reação instantânea à perda da bola, exatamente como fazia quando Jorge Jesus orientou a equipa da primeira vez - uma espécie de defesa em quadrado do território que se quer impedir ou retirar ao adversário.
A ideia não é, evidentemente, pressionar com um jogador, ou reagir apenas o homem que perde a bola. A ideia é montar guarda ao espaço e atacar a bola sempre que possível com quatro jogadores que formem a tal espécie de quadrado, encurtando o espaço e reduzindo as linhas de passe ao adversário que tiver a bola.
Foi assim que o Benfica pôde recuperar a quantidade de vezes que recuperou a bola no meio campo do Bournemouth no jogo do último domingo, e foi assim, por exemplo, que o Benfica começou por abafar o SC Braga naquele primeiro quarto de hora do jogo a meio desta semana e foi assim, até, que viu o possante Vinícius pregar a partida que pregou aos defesas da equipa bracarense, roubar a bola, isolar-se e fazer o golo de uma vitória que o Benfica nem tinha, no global, feito por merecer.

Peguemos no que se viu no jogo com o Bournemouth, uma equipa de estilo britânico na intensidade com que compete - e que tornou o confronto num exigente treino para os encarnados - mas de qualidade bem mais latina na forma como joga e com nota técnica bem assinalável para uma equipa que acabou por não conseguir manter-se na Premier League.
Com menos peso nas pernas do que com o SC Braga, a equipa do Benfica passou mais de dois terços da primeira parte com o Bournemouth a jogar no meio-campo do adversário, e sempre que não tinha a bola era no meio-campo do adversário que a procurava recuperar com uma intensidade que já não se lhe via há muito e que os adeptos encarnados tinham, certamente, saudades.
Mais do que jogar bem, a grande diferença por vezes está na atitude com que se joga, na forma organizada com que se trabalha em campo para dois objetivos essenciais - não únicos mas essenciais -, criar forma de fazer golo e recuperar o mais depressa possível a bola para voltar a tentar criar forma de fazer golo. Parece simples mas não se consegue sem inteligência, intensidade, atitude, bom posicionamento tático e qualidade na execução técnica.
Frente ao Bournemouth, por exemplo, o médio marroquino Adel Taarabt - o melhor em campo, na minha opinião - talvez tenha corrido metade do que costumava correr, mas jogou o dobro do que costumava jogar! Está a aprender.
Ainda fez o primeiro golo (um golão!), num jogo em que o Benfica - de novo, com o devido exagero - rematou mais de fora da área do que nas 10 jornadas que fez no campeonato da pandemia.

Adel Taarabt é um médio com qualidade bem acima da média, é forte, tem técnica, é inteligente. Mas tem, sobretudo, dois problemas: o equilíbrio emocional, como se viu com o Braga (devia ter ficado na cabina ao intervalo) e o equilíbrio tático, daí que corresse habitualmente tanto e tantas vezes mal, sem proveito para ele e para a equipa, dando nas vistas, sim, mas dando também valentes rombos táticos ao equilíbrio da equipa.  
Nesse jogo com os bracarenses - que foram a melhor equipa na maior parte do jogo - o Benfica sentiu muito, parece-me, o peso nas pernas das intensas cargas físicas a que deve estar sujeito nesta altura para levar os jogadores a soltarem-se dentro de quinze dias, quando chegar a competição a sério, mesmo muito a sério - para desafiar a tanta coisa que está em jogo, financeira e politicamente, nestes encontros de acesso à tão indispensável como desejável fase de grupos da Champions.
Mesmo assim, duas ou três notas essenciais a reter do Benfica, 2-SC Braga, 1 da última quarta-feira, em que a águia ainda se viu obrigada a apresentar, por exemplo, linha defensiva remendada - entrada muito forte no jogo enquanto o peso nas pernas não se fez notar, a mesma atitude e o mesmo espírito, executando muitas vezes mal mas nunca perdendo o essencial da organização, e filosofia permanente mesmo quando a equipa passou a jogar com dez, sem nunca ficar atrás, e continuando, como lhe competia, a discutir o jogo com os mesmos princípios.
Neste jogo com o Braga, outra nota igualmente importante para Jesus e equipa, do ponto de vista da confiança: o ter a águia acabado por vencer, com dez, um jogo em que jogou mais tempo mal do que bem. Fez-me recordar o que tantas vezes me dizia o grande Artur Jorge, que os grandes campeões fazem-se é a vencer quando jogam mal!

De resto, este parece ser ainda, apenas e só, um esboço do que poderá ou deverá ser a verdadeira criação de Jorge Jesus para o Benfica versão 20/21, porque já se percebeu que vão chegar ainda mais jogadores, e sobretudo porque, querendo o Benfica construir uma equipa muito forte, e parecendo a caminho de fechar o eixo central defensivo, com Rúben Dias, Jan Vertonghen e Julian Weigl, precisa de construir verdadeiramente fortes referências no ataque.
Sendo Vinícius uma solução, e sendo uma solução até mesmo Serefovic (e ainda não sabemos quem ficará, se um deles, se os dois), a verdade é que não serão nem Vinícius nem Seferovic… a solução, aquela solução que Jorge Jesus precisa para a equipa que se vê que quer construir!
Em todo o caso, reconheça-se que Vinícius e Seferovic podem dar coisas muito positivas à equipa, Seferovic mais mobilidade e mais técnica no controlo da bola, Vinícius com uma natureza mais combativa, de explosão, e mais finalizador.
Só mesmo um jogador com a natureza de Vinícius faria aquele primeiro golo ao SC Braga, atropelando, sem falta, o experiente Rolando, e, mesmo em esforço, conseguindo o remate para o golo.
Mas está aí Darwin Núñez, um jovem uruguaio que muitos apontam, no país de origem, como sucessor na linha de grandes atacantes uruguaios, com as devidas diferenças e proporcionalidade na comparação, como Diego Fórlan, Cavani, Luis Suárez, Enzo Francescoli... um jovem pelo qual o Benfica paga o que paga seguramente para o ver conquistar a titularidade, e a chegada de jogadores como Darwin mudarão, muito, o perfil da equipa de Jesus, por mais definido que seja, e é, o modelo de jogo, e clara a forma de jogar, das equipas do treinador encarnado.
Aconselha, pois, a prudência, e o estado atual do chamado mercado de transferências, que esperemos mais um tempo para melhor avaliarmos  o que pode vir a ser o futuro imediato de uma águia fortemente apostada em se revolucionar a ela própria.
De tempo já não precisaremos é para avaliarmos a qualidade, o perfume, o talento, a experiência, a técnica e o charme do futebol de Nico Gaitán, o argentino que o Benfica idolatrou mas, fechando a porta ao regresso, obrigou a optar por um Braga que também já seduz, pela qualidade de clube que já tem - e é muita, desportiva e estruturalmente falando - jogadores deste nível.
Gaitán não tinha já lugar neste plantel do Benfica? Acredito que tinha. Não sei se para ser titular, não sei se para se requalificar como segundo avançado, por exemplo, não sei se apenas para jogar grandes jogos, porque os grandes jogos precisam dos grandes jogadores. Viram como ele dominou aquela bola junto à linha de fundo da área do Benfica? Gaitán é daqueles jogadores que parece ter mãos... nos pés!

PS: Morreu ontem Dito, um dos rapazes com quem, enquanto jornalista, melhor relação tive no futebol, sobretudo enquanto foi jogador, e uma das melhores pessoas que conheci neste tão competitivo meio. Deixo a minha muito singela e sentida homenagem!