O desafio de Bruno Fernandes

OPINIÃO30.01.202003:00

QUE o Manchester United adquiriu um grande jogador é indiscutível. Mas o que os red devils também conseguiram foi um líder que falta a um gigante perdido no seu próprio labirinto. Bruno Fernandes não só vai mostrar a diferença dentro de campo como se arrisca a ser um dos homens de comando em tempo recorde. Terá, para isso, de ultrapassar três barreiras: a exigência de um campeonato de outro nível, a exigência de um clube de outro nível e vencer o trauma dos craques que desaprendem em Old Trafford. Porque o United transformou-se num cemitério de jogadores desperdiçados. Desde que Alex Ferguson saiu, em 2014, o clube  parece ter vendido a alma ao diabo, transformando-se numa máquina trituradora. Médios com a classe de Pogba, extremos com a explosão e técnica de Di María, Martial e Depay ou goleadores como Falcao e Alexis Sánchez não corresponderam minimamente às expectativas. Não será por acaso. Eis um grande teste para Bruno: levar toda a experiência positiva e negativa do Sporting para se impor em Manchester, vencer o karma e transformar-se numa referência de balneário, um capitão sem braçadeira.

OS leões não contrataram qualquer jogador para a posição do ex-número 8. Por limitações financeiras, seguramente. Só o tempo dirá se a opção é a mais correta mas uma coisa é ter Bruno Fernandes e outra é ter Vietto.  O calendário dos leões no que resta da Liga avizinha-se terrível e os adeptos mais pessimistas têm razão para temer este crescendo do SC Braga de Rúben Amorim, que já só está a dois pontos e se prepara para receber os lisboetas. O que Frederico Varandas e a sua equipa terão de refletir é o motivo de um clube com maior orçamento aparentar ter um plantel inferior ao dos bracarenses. E por ter perdido para o clube liderado por António Salvador um jogador que esteve na sua lista de desejos: Abel Ruiz, do Barcelona B. À custa de Trincão? Sim, mas até nisso os minhotos estão em vantagem: têm uma pérola da formação, algo que não existe na outrora escola de excelência justamente batizada de Aurélios.

SÓ após o fecho do mercado é que todos perceberemos em que ponto ficarão os plantéis dos candidatos ao título, mas mais importante será perceber as dinâmicas internas. No FC Porto, por exemplo, já se percebeu que uns são imprescindíveis, outros nem tanto, como é o caso de Zé Luís. É estranho que um jogador pedido por Sérgio Conceição e que teve um custo elevado (€8,5 milhões) esteja na porta de saída. Porque o internacional cabo-verdiano é o segundo  ponta de lança do plantel com mais golos (8) e, ao contrário de Raul de Tomas no Benfica, por exemplo, não é propriamente considerado um flop.

DAS muitas homenagens e recordações de Kobe Bryant retenho uma que me foi narrada por um amigo que conhece bem o circuito da NBA e alguns candidatos a estrelas que por lá passaram. Foi um desses basquetebolistas que lhe contaram a história: «Estive dois a três meses lá, a treinar-me. Kobe nunca me dirigiu a palavra, nunca me disse um bom dia. Vivia no mundo dele. Os treinos eram às 10 horas e nos primeiros dias decidi estar lá às 8.30 horas para parecer bem. Quando chego lá, vejo o Kobe, que àquela hora já estava a treinar-se há... duas horas.» Ao ouvir isto pensei na ética de trabalho de Cristiano Ronaldo ou na forma como as grandes lendas constroem as suas carreiras e garantem um lugar no reino da eternidade.