Nyon é a Bruxelas do futebol
O futebol português, habituado ao seu conservadorismo clerical vai, mesmo, ter de mudar, porque assim determina a UEFA
C ADA vez mais a UEFA tenta unificar o futebol profissional europeu, marca o rimo das Ligas internas, toma conta das ‘contas certas’ das finanças dos clubes, quer que todos adotem as mesmas soluções para os mesmos problemas e tudo isso cria, inevitavelmente, um alisar das diferenças dos sistemas competitivos.
Para a UEFA é, também, uma questão de sobrevivência enquanto poder centralizador das competições europeias de clubes, tentando desesperadamente evitar o objetivo dos colossos europeus, comandados pelo presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, que quer criar um cartel que organize e controle uma competição da elite mais abastada dos clubes europeus, pondo em marcha a famosa Superliga Europeia.
Daí que a UEFA tenha decidido dar mais um passo em frente nesse combate, criando mais jogos nas competições europeias e privando os calendários nacionais de nada menos de quatro semanas de competição, o que obriga, evidentemente, a alterações significativas no quadro das competições nacionais.
A UEFA manda no futebol
Por essa razão, que não é pequena, e ainda mais a centralização de direitos televisivos, que avança à habitual velocidade portuguesa, se reuniu ontem, no Porto, a IX cimeira de presidentes. Duas questões essenciais: não há como fugir dessa centralização de direitos, por muito que isso custe, sobretudo, a quem mais beneficia da desequilibrada e injusta situação atual e não há como fugir a alterar o quadro competitivo, a partir de 2024 (é já aí ao virar da esquina) de maneira a encaixar num calendário cada vez mais curto as provas nacionais. Não há muito por onde escolher, dada a evidente sobrecarga sobre os jogadores que ainda não têm suficiente força para fazerem ouvir os seus direitos de trabalhadores e que podem vir a ser explorados até ao tutano. A diminuição do número de clubes é uma proposta óbvia, ou a extinção de provas como, por exemplo, a Taça da Liga, que, apesar das suas características muito pouco equitativas, acabava por ser uma competição que ajudava um pouco os pequenos clubes.
As decisões, como também é hábito em Portugal, ficarão de ser definidas em reuniões futuras, não se sabe quantas, e as decisões que serão tomadas vão depender do peso do interesse dos grandes clubes e das suas alianças.
O que importa, entretanto, perceber é que cada vez mais Nyon, a cidade sede da UEFA, é a nossa Bruxelas. Se Bruxelas verifica e controla o cumprimento das suas decisões para o quadro de países europeus da chamada União Europeia, Nyon controla o cumprimento das suas decisões, através das quais procura adiar o que nos parece inevitável no futuro. Haverá, provavelmente mais cedo do que tarde, uma organização privada que irá tratar do espetáculo das competições de futebol dos grandes clubes europeus e à UEFA competirá, essencialmente, a organização das provas de Seleção.
É inevitável que, apesar de todas as medidas de reação e comprometimentos com a ideia de que é preciso garantir sempre mais e mais dinheiro para os clubes nas provas europeias, especialmente os grandes clubes, a luta dos mentores da Superliga não acabará, pelo contrário, irá tornar-se cada vez mais pressionante e acabará, muito provavelmente, por triunfar, porque o dinheiro é, de facto, a única arma que garante o poder.
Portugal, cujo futebol está habituado a uma celebração de cultos antigos e a um conservadorismo clerical, terá de mudar por imposição externa e de acordo com normas definidas para a Europa, provavelmente condicionado pela sua dimensão e pela estrutura desigual das suas competições.
DENTRO DA ÁREA – SELECIONADORES DE BANCADA
Cada português que gosta de futebol adora fazer a sua Seleção. Na verdade, há um selecionador de bancada em cada português e os jornalistas não fogem a essa regra. Devia ter sido chamado este e não aquele. É, por vezes, uma mera questão de tendência clubista ou, apenas, uma questão de simpatia. Na verdade, nunca ninguém saberá se Fernando Santos fez bem ou mal em não ter chamado quem não chamou. Não vão, não jogam, não se pode saber se entre esses haveria um Éder escondido, destinado a fazer a nossa glória.
FORA DA ÁREA – OS INCÊNDIOS DE INVERNO
Começam a surgir notícias de pequenos incêndios em pequenas casas de aldeia que provocam a morte aos velhos que lá vivem. São os incêndios de inverno. Menos mediáticos, mas não menos dramáticos. As casas portuguesas são das mais frias da Europa, porque se entendeu que temos um clima temperado. Porém, faz muito frio, sobretudo, nas aldeias do interior e as casas têm o desgaste dos anos. Por isso, os velhos que ainda sobrevivem, acendem o lume como no tempo das cavernas. Às vezes pegam fogo sem darem por isso.