Normalização e desresponsabilização
Não há pequenas nem meias agressões! Aceitá-las é jogar jogo que ninguém deve jogar
NOMES grandes, estes, os que hoje dão título a este artigo de opinião. Permitam-me que desvende já o mistério: vou voltar a escrever sobre violência no futebol mas, desta vez, sem sangue derramado, sem ossos partidos, sem pontapés no estômago, sem socos na boca e sem maxilares fraturados. Caso queira dar-me o privilégio de continuar por aí, explico ao que venho:
- No passado fim de semana, um jogador do enorme SC Salgueiros decidiu empurrar violentamente um adversário, mandando-o ao chão. Depois, não satisfei- to, cresceu para o árbitro e encostou (termo simpático) a sua cabeça na dele. É isto que se vê no vídeo, que circulou nas redes sociais. O que também se viu foi a queda posterior do árbitro, que pareceu pouco normal. É verdade. Pareceu pouco normal. Perguntem-me: do que é que se falou depois? Algum palpite? Acertaram!
Falou-se apenas e só dessa imagem, a da consequência. Não se falou do que aconteceu antes. Ora mora aqui a primeira ideia expressa no título: normalização. No caso, normalização da atitude agressiva de um jogador, que será uma excelente pessoa e profissional, mas que teve ali um muito mau momento. Normalização de uma conduta grave de um desportista no decurso de um jogo, para focar apenas na forma como o árbitro foi ao chão. O árbitro. Aquele que representa a autoridade máxima em qualquer competição ou jogo.
Deixem-me dar-vos dois exemplos práticos, a ver se me faço entender bem.
Um: o marido chega a casa, empurra o sogro (é da outra equipa) e segue furioso na direção da mulher, encostando-lhe a cabeça de forma agressiva. Quem estivesse a ver a cena diria o quê? «Que finta fez ela, ao cair assim e tal?» Seria isso? Falariam apenas da causa, de quem começou tudo e fez o que nunca podia fazer?
Dois: o arguido levanta-se do banco dos réus, vai direto ao advogado de acusação, empurra-o e derruba-o. Depois dirige-se ao juiz e encosta a cabeça na dele. De no- vo, quem estivesse a assistir, diria: «A forma como o magistrado foi ao chão é ridícula, que cena feia».
Por favor, percebam uma coisa, sob pena de banalizarmos situações que não cabem no desporto: não há pequenas nem meias agressões! Não pode haver em nenhuma atividade desportiva espaço para a violência, seja maior ou menor, seja ou não consumada.
Normalizar empurrões ostensivos ou encostos/cabeçadas é um jogo que ninguém devia jogar. É um jogo que não faz parte do jogo. Não é preciso sangrar, nem sequer magoar! Não pode acontecer. Tão simples...
E isto leva-nos para a parte da desresponsabilização: foi feio, muito feio, ler o comunicado divulgado pelo SC Salgueiros. O clube «não viu o comportamento agressivo» documentado pelas imagens. Para o autor do texto, é tudo muito simples: como ninguém morreu, nem foi internado, nem ficou magoado, nem foi suturado, não se passa na- da. Está bem, então. Só que não.
Meus amigos, fujam desse tipo de pensamento. Não normalizem a violência, nunca banalizem condutas agressivas, não dêem amparo ao injustificável.
Nota final: também este fim de semana, agressões em jogos da AF Lisboa e da AF Coimbra.