Nem euforia nem depressão

OPINIÃO15.12.202205:30

Quem não falhou neste Campeonato do Mundo que levante o braço!

A razão e a emoção devem equilibrar-se sistematicamente. O Mundial começou por ser um sonho atingível para alguns e um pesadelo para outros. Todos fizeram o seu melhor, embora nem sempre se consiga concretizar os planos elaborados com realismo. Depois da fase de grupos, 16 seleções regressaram a casa, algumas muito desiludidas e outras com a satisfação do dever cumprido. Depois vieram os oitavos de final e a competição tornou-se muito mais intensa e exigente, porque o perdedor abandonava o jogo e regressava a casa. Nestas competições de âmbito mundial, há sempre quem se transcenda, quem bloqueie, não consiga elevar os níveis de confiança e qualidade pretendidos. Naturalmente, a comunicação social de cada país procurou informar o dia-a-dia e a forma como decorreram os jogos. Depois de vencerem os oitavos de final, todos fizeram o melhor possível nos quartos de final. Destacaram-se pela positiva, o Japão e a Coreia do Sul que deixaram imagens de excelência quer no jogo na relva, quer na atitude perante o resultado e pela forma como os jogadores do país do Sol Poente deixaram sempre o balneário. Observar o treinador nipónico a pedir desculpa aos seus concidadãos, foi mais do que um golo, foi uma lição extraordinária e exemplar. Começaram as surpresas, com a vitória da Croácia sobre o Brasil: a organização croata conseguiu empatar o samba criativo dos brasileiros e, para surpresa de multidões, foi necessário prolongamento, com Neymar a marcar primeiro; a Croácia, nunca abdicando dos seus princípios, nos momentos finais, conseguiu o apuramento para as grandes penalidades e venceu por 4-2. Primeira grande surpresa. Jogaram também Países Baixos e Argentina, com a equipa laranja muito pragmática e os argentinos, muito intensos a disputar a bola. Mais um jogo para prolongamento, com os Países Baixos nos últimos momentos a conseguirem igualdade e o direito às grandes penalidades. Argentina marcou 4 penaltis com sucesso e os adversários só conseguiram marcar 2. Marrocos e Portugal fizeram um jogo calculista, sem arriscar muito, com africanos muitos rápidos e duros e portugueses sem a criatividade habitual. Um golo fortuito de Marrocos e algumas falhas no momento da decisão, precipitaram tristeza nossa.
Portugal saiu do Mundial quando poderia ter oportunidade de atingir a final. O futebol é assim e pela sua imprevisibilidade: afeiçoa-se aos mais corajosos e penaliza quem desperdiça. Portugal inteiro e os portugueses espalhados pelo mundo, sentiram o golpe do infortúnio atingir-nos com lágrimas. porque a confiança na nossa equipa era muito forte para chegar à final: passar de um extremo para o outro, sem controlar ansiedade, também atrapalhou. Assim aconteceu. Foi a vez de encerrar os quartos de final com um jogo entre campeões do mundo: Inglaterra e França. Jogo intenso, veloz, maior afinação dos franceses e quando o resultado estava particamente feito, nos últimos instantes, novo penalti a favor da Inglaterra e o mesmo marcador da primeira grande penalidade: o capitão Kane, dessa vez enviou a bola para o espaço, por cima da barra. A Argentina venceu a Croácia e a França ganhou à surpreendente Marrocos, no melhor jogo até agora, com um ritmo intenso do início ao fim: espetacular! Final: Argentina - França.
Se nas tragédias somos exemplares, disponíveis e solidários, lamentavelmente num tempo de felicidade e harmonia começam as confusões. Passamos da euforia desmedida à depressão total e dramática, do aplauso ao insulto, da ajuda à violência, escolhendo um culpado, como se assim nos livrássemos de culpas próprias. Ninguém estará mais abatido do que os nossos jogadores e equipa técnica. Neste Mundial do Catar, voltou a surgir o eterno vício de não saber manter a serenidade. Cristiano Ronaldo, com a experiência e dimensão planetária, poderia ter evitado um universo de contradições. CR7 deu-nos dimensão estratosférica, visibilidade universal, vitórias e títulos, bolas e botas de ouro e muitas alegrias. Mas faltou unidade e coesão para se poder ser feliz. E o próprio, melhor do que ninguém, terá noção de que há situações que podemos superar, mesmo que exija muito de nós. A idade avança, o tempo cobra bem caro e os golos vão reduzindo na medida inversa da desvalorização do futuro. O egocentrismo é vírus perigoso e muito forte (ainda sem vacina eficaz) que apaga memórias e dificulta rumos. A solução é simples: ser humilde, tolerante, concentrado, disponível para se esforçar ao máximo e manter a identidade coletiva como troféu valioso. O que Ronaldo já fez pelo País é fantástico e todos agradecemos com orgulho. Receamos que CR7 e os seus recordes consigam desvalorizar injustamente o que já conseguiu. Em qualquer equipa, como num relógio de qualidade, cada peça, da mais pequena à mais decisiva, é importante para o todo funcionar na perfeição. Por isso há marcas prestigiadas que nunca se atrasam ou adiantam e outras que avariam facilmente. O tempo é imparável e com ele descobrimos novos rumos mais ajustados. A eternidade é um palco surreal que perpetua os ícones na nossa vida.
Para ser humilde temos de ser simples, solidários e desejando transmitir a nossa experiência para que os mais jovens também consigam atingir o topo. Espero e acredito que um dia qualquer no futuro, possamos ser campeões do mundo de futebol, porém há outros títulos que também devemos saber conquistar: a amizade, o apoio, a união e a cooperação. Ninguém é mais do que os outros, embora a competência seja uma exigência pessoal e uma qualidade que implica muito esforço. Cristiano tem sido exemplo nos cuidados físicos, alimentares, de repouso, de treino intenso, com objetivos sempre maiores e tudo isso é uma prova de entrega e qualidade. Porém, os anos devem permitir partilhar as qualidades para que os jovens beneficiem dos seus conselhos e exemplos, para tentarem atingir limites máximos. Nunca poderá ser esquecido porque nos prestigiou a nível global. Só evitando egoísmos e um conjunto de críticas injustas (e posteriores aos acontecimentos) poderemos fazer deste nosso Portugal, que deu mundos ao mundo, um futuro melhor, deixando do lado de fora as invejas, os egoísmos e a incapacidade em partilhar segredos que ajudem a ir mais longe. Perder a oportunidade de um título que poderia ter estado ao nosso alcance, aconteceu a várias seleções. Aceitemos com desportivismo, pois são muitos a quererem ser campeões do mundo mas só um o consegue nesse campeonato. O mais importante é darmos tudo o que for possível, empenhando toda a concentração, sem espaço para pequenas vaidades e vícios. Cristiano é importante no lugar, missão ou posição que o treinador definir: o título ou o lugar conquistado será sempre da Seleção Nacional, mas também de todos nós. Manter vivo o orgulho de ser português é um destino que nunca devemos perder. Nunca devem surgir atitudes individualistas quando a orquestra tem de funcionar em pleno e coletivamente: essa a grande vitória! E o maestro e seus colaboradores só têm esse objetivo: vencer da maneira que pensam ser a melhor. Evitemos os sábios depois dos resultados, que constroem críticas e opiniões ocas e vazias, insinuando que deram opiniões que garantiam sucesso. Aceitemos os factos, analisemos tudo o que se passou, para alicerçar eventuais aperfeiçoamentos: talento, competência, humildade e cooperação. Desse modo, somos grandes e venceremos o vício que nos persegue para impedir o crescimento porque preferem dizer mal como hábito ancestral. Campeões seremos sempre, desde que estejamos unidos e com o propósito de assumir as responsabilidades de cada um. Erros aconteceram e acontecerão, porém uns foram esquecidos e outros, depois de analisados com rigor, serão substituídos por trabalho intenso e experiência. Quem não falhou neste Mundial que levante o braço!


E DEPOIS DO ADEUS 

C OMEÇAR a recuperação dos jogadores em função do seu estado global. Os intervalos entre jogos foram muito reduzidos e implicaram esforços e fadiga acumulada. É certo que a medicina, os métodos e tecnologias podem contribuir para ajudar os atletas.
É urgente uma profunda reflexão, pois quem dirige clubes e federações naturalmente nunca se lesiona contudo, os jogadores estão sujeitos a situações de risco constante e grave. Se a prioridade for a segurança dos jogadores, protege-se o investimento, o talento e as futuras exibições inesquecíveis. É preciso inverter a pirâmide para evitar queda desastrosa que pode ser dramática, especialmente nos clubes com menores recursos. Defender a estratégia certa é imprescindível para preservar o rendimento desportivo e assim conseguir prolongar a carreira dos atletas, para conseguirem reforçar competências para nova fase. Aguardemos pelo regresso das competições nacionais e pelas investigações dos resultados, para se obterem conclusões.
Mais do que palpites, a avaliação das prestações nos estádios revelou equilíbrios e contradições, assim como alguns exemplos que conseguiram construir jogadas de encantamento, deslizes súbitos e surpreendentes. Um torneio desta dimensão exige muito sacrifício, capacidade de antecipação e sustentabilidade. Recorde-se que num segundo, pode acontecer um lance que dá vitória ou a viagem de regresso a casa. Por isso, em função da aplicação, aplaudam-se os nossos guerreiros porque a distância era muita e as diferenças enormes. O esforço foi gigante e todos fizeram o que lhes foi possível.
Desde o início, sabia-se que iria ser um Mundial diferente. Para além das questões exteriores ao futebol (algumas com gravidade intolerável), depois de cada nova jornada foi necessário um trabalho específico nas várias áreas que integram a personalidade de cada atleta. Conseguir o regresso ao equilíbrio físico e emocional é tarefa decisiva, exigindo monitorização constante para manter a confiança e dar o máximo. O relacionamento grupal tem de ser otimizado (tarefa muito complexa), através de liderança específica que permita criar condições de estabilidade para potenciar a criatividade e confiar na possibilidade de vencer.
Sobre arbitragem, vimos uns mais fracos (mesmo muito fracos) e outros com muita qualidade. Quem nomeou as equipas de arbitragem deveria ter muito mais cuidado em função das nacionalidades. Não basta parecer, tem de ser imparcial. 


REMATE FINAL

Fernando Santos afirmou «O balneário está destroçado. Estávamos convictos que podíamos chegar à final e vencer (…) Houve muito mérito de Marrocos na sua organização defensiva, na forma como trabalha e luta. Portugal teve dificuldades em explanar o seu jogo».