'Man in the Middle'
O título desta crónica é o nome do novo documentário (dividido em quatro episódios) produzido pela UEFA TV. Trata-se de um trabalho de excelência, que tem a capacidade de mostrar ao grande público uma faceta importante mas quase sempre desconhecida da arbitragem de alta competição.
O programa acompanha a vida pessoal e profissional de alguns dos melhores árbitros europeus da atualidade - Bjorn Kuipers, Daniele Orsato, Anthony Taylor, Damir Skomina, Danny Makkelie, Clement Turpin, Gianluca Rocchi, Antonio Mateu Lahoz, Felix Zwayer, Szymon Marciniak, Cuneit Cakir, etc. -, levando-nos a viajar por onze países diferentes onde se disputaram 16 jogos da Liga dos Campeões.
A gravação demorou cerca de 18 meses a ser concluída (começou em fevereiro de 2019 e terminou no final de agosto de 2020), o que significa que atravessou as duas realidades que agora dividem o mundo do futebol, o mundo tal como o conhecemos: o da velha normalidade (com público nos estádios) e o da nova normalidade (sem a presença de adeptos nas bancadas).
Este vídeo-testemunho é o exemplo perfeito de como é possível humanizar a figura de um árbitro de futebol sem ultrapassar limites. Mostrando, para o exterior, tudo o que faz sentido mostrar sem tabus nem censuras, sem cortes nem edições.
Ao vê-lo (e eu espero que o faça), o caro leitor perceberá realidades que, seguramente, jamais tinha considerado. Perceberá, por exemplo, que há árbitros que escolheram viver com a família no silêncio apaziguador do campo para escaparem à visibilidade intensa que sentiam ao viver nos grandes centros urbanos. Perceberá também que tipo de conversas é que se consegue ter, em campo, em momentos complicados e com jogadores de topo, como Messi e companheiros. E perceberá ainda a que tipo de pressões estão sujeitos os juízes quando têm que tomar decisões importantes no relvado ou até na zona de revisão das imagens (muito próxima, como sabem, dos bancos técnicos). Um trabalho absolutamente incrível. Valor acrescentado puro.
A questão de se exigir, cá fora, mais transparência em todo o setor da arbitragem não é de hoje nem de ontem. Existe há muito e, apesar de nem sempre ser exigida com a melhor das intenções - há quem só se lembre da narrativa quando se sente prejudicado -, a verdade é que faz sentido. Faz todo o sentido porque a arbitragem sempre foi uma classe permanentemente sob suspeita, que historicamente nunca encontrou forma de se abrir para o exterior, mostrando o que pode e deve ser mostrado, sem preconceitos e de forma clara, solícita e desinibida.
Num universo cada vez mais exposto, que tem hoje mil e uma formas de comunicar entre si e que consegue fabricar mentiras mais depressa do que fabrica verdades, não faz sentido permitir que o rumor, a suspeita e a desinformação destruam factos. Não faz sentido permitir que se levantem dúvidas infundadas sobre questões que podem rapidamente ser desmistificadas. Basta encontrar formas inteligentes de comunicar, de levantar um pouco mais do véu sobre aquela que é, em cada jogo, a terceira equipa em campo.