Maestro e líder
Rui Costa (Foto: Atlantico Press/IMAGO)
Foto: IMAGO

Maestro e líder

OPINIÃO12.12.202311:28

Rui Costa apanhou de surpresa os que ainda o julgavam fraco; se quiseram testá-lo na sua autoridade presidencial, o fiasco foi enorme - «Vamos conversar», a opinião de Fernando Guerra

Anda qualquer coisa no ar que me escapa, mas penso que, excluído aquele grupelho zaragateiro que tão triste imagem deu do clube, os bons adeptos devem estar atentos às variações do tempo. É a grandeza da instituição a ser alvejada por condutas desprezíveis e geradoras de aproveitamentos vários. Do lado de fora, dos emblemas rivais, que se divertem com as zangas na casa da águia, e do lado de dentro, de quem, à boleia destas tristes figuras, tenta subir na hierarquia de influências.

O que se passou foi grave e nenhuma relação teve com naturais impulsos de desagrado nas bancadas, nem com os tradicionais lenços brancos. Foi um caso diferente, localizado, sendo aquele espaço muito solicitado pela proximidade dos bancos e dos artistas. A saída de João Neves foi apenas um pretexto, como poderia ter sido outro. 

Rui Costa disse que em 120 anos de vida do clube nunca se viu uma história como esta. Eu não vou tão longe, mas também não me lembro. Só faltou dar-se o passo seguinte para ser tema de abertura de noticiários em todo o mundo. 

É o costume, a grandeza do Benfica a incomodar e a servir de tema a novelas de enredos duvidosos, como me parece ser o caso. Objetivamente, o que se passou? O Benfica empatou com o Farense, sim, mas quem teve carradas de razão para ficar incomodado foi Di María, que já não tem idade, nem paciência, para tantas oportunidades de golo criar e o inapto Rafa Silva esbanjar. Ah, mas foi o pequeno génio o autor do golo que salvou a nação encarnada da derrota, dirão. Pois foi, e é por causa desse equívoco que o treinador tem perdido créditos. Na última época mimou-o com beijinhos e abraços, mas creio que, esgotado o efeito surpresa, não há afetos que cheguem para disfarçar uma evidência já aqui registada: com Rafas o Benfica não vai lá e, neste sentido, ordena a sensatez uma posição firme e atempada da administração para não se enredar na teia de interesses do agente do jogador, a sonhar com um negócio das arábias, ou algo parecido. 

Do que o Benfica precisa é de reforços a sério e não de acumular destroços, como tem sido a sina há vários anos. No resto, é a sua grandeza a deixar o mercado frenético. De uma opção técnica fez-se um drama, instalou-se o caos, tudo por causa de uma simples substituição, primeiro, e da resposta do treinador, que não é bom de assoar, depois. 

Roger Schmidt foi o melhor reforço de Rui Costa, escrevi em fevereiro, e mantenho, embora reconheça que, pontualmente, pode transformar-se em problema devido à sua teimosia, uma característica de todos os treinadores, direi, por não quererem aceitar que são humanos e também se enganam. 

Sem Enzo Fernández, pilar central do edifício futebolístico projetado, e com Kokçu ainda no papel de imitação vulgar do argentino, também como assinalei há um mês, a seguir ao empate com o Casa Pia, que já então enervou associados e adeptos, o treinador alemão continuou a insistir em desenho tático que se tornou um tormento para os seus jogadores e um rebuçado para os opositores. 

Este exemplo com o Farense foi apenas a prova que faltava, ou mais uma. O Benfica só ataca pelo lado direito, Kokçu pisa terrenos distantes das zonas de tiro e, mais recentemente, deixou de haver gente na área em permanência, passa por lá alguém… Soluções existem, podem não ser brilhantes, mas são suficientes para alcançar o título. No entanto, se Schmidt insistir neste modelo de todos à volta de Rafa, é capaz de ser a sua desgraça e da equipa. 

Sobre o que Schmidt disse ou não disse, depois de ter sido afrontado pelo tal grupelho, penso que tem de ser visto à luz de quem não se sente não é filho de boa gente. Sinceramente, não vejo que possa ser acusado de desrespeito na forma como respondeu a quem fomentou aquele foco de violência. Pelo contrário, revelou frieza e até algum sentido de humor, quando aconselhou gente que não é capaz de apoiar a equipa a ficar em casa e só voltar para celebrar no Marquês a conquista do título. Dito assim, com esta frontalidade, os contestatários só têm de lhe ficar gratos.

Se este incidente foi mais um teste à autoridade presidencial, de certeza que os autores da iniciativa ficaram desiludidos porque Rui Costa deu uma resposta lúcida, corajosa, segura e tradutora de quem conhece o caminho por onde quer seguir em direção a um futuro que honre a história do clube, devolvendo-lhe o estatuto de grande europeu.

Apanhou de surpresa os que ainda o julgavam fraco. Se quiseram testá-lo, o fiasco foi enorme, porque o maestro como jogador está a ser líder como presidente. 

Em conclusão, não é de agora que a paz na águia tem sido abalada por minorias organizadas, que pretendem exercer o controlo através de assembleias, ou por grupos eruditos, que navegam no lodo das redes sociais. Esta infeliz ocorrência terá contribuído, porém, para alertar o adepto anónimo, a alma do Benfica, de que alguma coisa terá de ser feita no sentido de salvaguardar a estabilidade da instituição e dar voz àqueles que apenas querem servir o Benfica, que são a esmagadora maioria, afinal. 

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