Lição para preencher tão angustiante vazio

OPINIÃO08.05.202004:00

(ainda em branco)

JÁ o havia notado, há exactamente um ano: o Leeds empatou (1-1) com o Aston Villa, em jogo a contar para o Championship (segunda liga inglesa). E então? Então, numa altura (72 minutos) em que o Aston Villa estava reduzido a dez jogadores, a equipa orientada por Marcelo Bielsa marcou um golo que lhe abria a possibilidade de subir directamente à Premier League. Sucede que o técnico argentino, não por acaso conhecido como El Loco, jamais se filiou na escola dos chamados treinadores resultadistas. Mas desta feita o seu lado romântico foi exponenciado a limiares impensáveis: obrigou a sua equipa a ceder o empate, abdicando assim de qualquer hipótese de subida directa, tendo, portanto, de disputar um play-off.

Não foi, manifestamente, a melhor opção para a sua equipa. Mas foi, indubitavelmente, uma excepcional lição para todas as demais. E que hoje nos ajuda a preencher este vazio angustiante, desprovido de competições desportivas. Vazio esse que custa muito, porque resultante de uma síndrome de privação. E que por isso é tão doloroso de suportar.

Livro de Horas
(é favor não confundir com os livros de honras)

COM toda a gente fechada em casa, dizia uma criança que havia visto um homem preso na rua. Enfim, trata-se de uma outra forma - conceda-se que surpreendente - de mirar estes dias de quarentena.
E não serão poucos os casos em que alguém resolve assinalar não apenas os dias mas também as horas de reclusão. O que faz apelo a memórias perdidas, como os Livros de Horas.
Nos séculos XV e XVI, as principais casas das famílias nobres passaram a ter espaços para o culto particular. Era como ter uma igreja dentro de portas. De par com este processo surgiram também, numa versão de luxo máximo, calendários litúrgicos que organizavam os rituais das orações quotidianas, intervalados com páginas de fabulosas iluminuras, obviamente feitas integralmente à mão.

Camus

O escritor franco-argelino Albert Camus, autor de obras primas absolutamente imortais, como são os casos de A Peste, do Estrangeiro e do Mito de Sissífo, entre outros títulos notáveis, era um apaixonado pelo futebol. Aliás, chegou a jogar como guarda-redes, mas uma tuberculose obrigou-o a desistir aos 17 anos. Todavia, jamais abdicou da sua paixão por este desporto, antes confessou: «Aprendi que uma bola nunca vem da direção que estamos à espera. Isso ajudou-me na vida, mais tarde.»

Camus foi laureado em 16 de Outubro de 1957 com o Nobel da Literatura. Para justificar tão gloriosa distinção, o júri do Prémio invocou que a «profundidade perspicaz de Camus ilumina os problemas da consciência humana dos nossos tempos».

Apenas uma semana depois da notícia do Nobel, lá estava ele no Parc des Princes para assistir a uma partida entre o Mónaco e o Racing Club de Paris. E foi precisamente nesta ambiência que proferiu as palavras mais incisivas sobre o desporto-rei: «O que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo-o ao futebol.»

Entrevista imaginária

- Tem falado muito em fome de vitórias…
- Exacto, exacto, é isso mesmo. Nunca estamos satisfeitos, queremos sempre mais.
- Já agora, e para terminar, confidencie-me só mais uma coisinha.
- Qual?
- Que animal prefere: a águia, o leão ou o dragão?
- Para ser totalmente franco, a verdade, a triste verdade, é que não posso preferir nenhum porque sou vegetariano.