Lesões: estratégias de acompanhamento e recuperação física e psicológica (3.ª parte)
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As dificuldades dobram alguns homens … constroem outros!... Mas mais importante do que avaliar a forma como se cai, é refletir na maneira como nos levantamos!...» (Nelson Mandela)
A seguir a uma lesão, os atletas evidenciam determinados tipos de comportamentos, emoções e pensamentos, respostas essas que se por um lado poderão facilitar a recuperação, por outro lado poderão dificultá-la extremamente. Com frequência podem surgir reações emocionais negativas como perturbações de humor, tensão e raiva, sendo nestes casos necessário intervir com estratégias de recuperação psicológica, logo que a lesão for detetada.
De acordo com alguns autores, anotamos algumas delas:
— Treino de relaxamento e visualização mental, no sentido de desenvolver a consciência do corpo ensaiando repetidamente situações de conforto a ser obtido.
— Discurso interno, onde o atleta deverá recorrer a afirmações assertivas para aumentar a autoconfiança ou focalizar a sua atenção. O discurso interno pode ainda ser usado para modificar ou parar os pensamentos negativos e prejudiciais à performance.
— Treino de biofeedback, recorrendo a medidas psicofisiológicas para fornecer feedback rápido e preciso de mudanças subtis na tensão muscular ou noutras atividades mediadas pelo sistema nervoso autónomo (exemplos: frequência cardíaca, pressão arterial, etc).
— Técnicas de hipnose, baseadas na focalização da atenção de maneira que o atleta use sugestões para estar confiante e para lidar com o stress associado às lesões.
Investigações efetuadas demonstraram que este tipo de técnicas acaba por influenciar os parâmetros metabólicos, a resistência, a força muscular e as competências motoras, atuando provavelmente nos processos cognitivo-simbólicos subjacentes a essas competências.
O treino mental pode ser desenvolvido simultaneamente com o visionamento de vídeos anteriores à lesão. Os atletas podem deste modo treinar as competências psicológicas, observando os companheiros e imaginando-se na situação, à medida que observam, devendo o metodólogo orientar verbalmente o atleta, no uso da imaginação, encorajando-o a realizar o treino por ele próprio. Este treino deverá ser precedido duma técnica de relaxamento que permite acalmar o atleta e, ao mesmo tempo fazer com que ele centre intensamente a sua atenção na competência treinada.
Treino mental e psicológico para o controlo da dor. A dor é um dos aspetos mais comuns no processo de reabilitação, sendo a resposta altamente personalizada e sujeita a influências aos mais variados fatores. Nesta situação, anotamos algumas técnicas mais aconselhadas para enfrentar e controlar a dor:
— A focalização externa da atenção: implica direcionar a atenção para fatores externos ao indivíduo (exemplo: concentrar-se na bola, reparar em pistas ambientais relacionadas com o rendimento desportivo, como é o caso do público ou do banco, etc…)
— A visualização mental de imagens agradáveis, que implica que o atleta use um foco interno da atenção, concentrando-se nas mesmas (exemplo: imaginar a sensação agradável de realizar uma boa tarefa, a celebração duma vitória, etc…)
— A visualização mental de imagens neutras, que implicam que o atleta se foque nas mesmas (exemplo: imaginar-se a equipar para o treino ou tomar duche após o mesmo, a passear com a família, ver um filme, uma jantarada com os amigos … lembram-se da história com vida referente ao Jaime Pacheco, que contei no primeiro artigo?!...)
— Uma boa informação e conhecimento acerca da dor e de tudo que a mesma faz implicar.
Intervenção de competências psicológicas, físicas, fisiológicas e técnicas, na reabilitação do atleta (pós-lesão). Ao nível da intervenção pós-lesão, no decurso do período de recuperação, que se poderá tornar mais ou menos longo, doloroso ou monótono, será fundamental que um plano de intervenção física, atlética e técnica seja acompanhado dum plano de ordem psicológico que ajude o atleta a controlar a sua ansiedade, conquiste a confiança na equipa médica e esteja preparado para ultrapassar esta fase má da carreira, encarando o futuro com otimismo.
Relativamente à fase de imobilização, sendo um momento de grande tensão associada à presença de dor, o atleta necessita de estratégias e técnicas, das quais destacamos, entre as que já foram referidas:
— Competências de comunicação e relação interpessoal, sendo fundamental que a equipa médica informe o atleta, promovendo o conhecimento do tipo de lesão sofrida, eliminando quaisquer dúvidas nesse sentido.
— Técnicas de relaxamento, combinadas com a imaginação mental da zona lesionada, de modo a ultrapassar momentos difíceis de dor, receios, etc…
— Formulação de objetivos, que implica que quaisquer grupos musculares não atingidos devam nesta fase ser objeto de treino, no sentido de manter ou porventura melhorar o seu estado de rendimento.
No que se refere à fase de mobilização, que geralmente comporta o período mais longo e também mais penoso para o atleta, dever-se-á no período inicial associar ao trabalho fisioterapêutico outras metodologias, nomeadamente um trabalho de ordem hidroterapêutico (utilizando por exemplo a piscina) e gradualmente inserir o treino de recuperação no ginásio e no campo, associando o treino de técnica individual, passando a coletiva, inserindo progressivamente em termos de competição condicionada o atleta no grupo normal de trabalho.
Cada um destes ciclos evolutivos de recuperação deverá ser objeto de uma avaliação criteriosa, reflexão e estudo por toda uma equipa que periodicamente deverá reunir para dar o seu parecer (médico cirurgião, médico desportivo, fisioterapeuta, enfermeiro, metodólogo de treino/recuperador, atleta, família do atleta, etc …)
Dada a extensiva teorização dos ciclos anotados, e por uma questão de espaço, limitar-me-ei a congregar em termos de resumo o que entendo de mais significativo:
Treino de recuperação na piscina: os objetivos incidem fundamentalmente nos fatores térmicos e mecânicos, uma vez que a temperatura da água, a flutuação, a forma de execução dos exercícios e a resistência funcional do meio líquido representam um papel importante na movimentação subaquática. Com a água à temperatura de 30º, a sensação de conforto, o alívio da carga, a redução de sensibilidade nos terminais nervosos conduzem a uma maior capacidade de relaxamento e bem-estar emocional do atleta.
Referindo-me ao trabalho a desenvolver no ginásio, é fundamental estabelecer um plano de treino de acordo com o tipo de lesão, o grau de atrofia muscular existente, o estado evolutivo de recuperação e no controlo das cargas nas máquinas de musculação deveremos testar o método de 1 R M (1 repetição máxima). Não esquecer que a adaptação ao esforço se deve iniciar após o aquecimento e com cargas muito leves, procurando-se após a testagem estabelecer a percentagem da carga, n.º de repetições, n.º de séries, ritmo de movimento e intervalos entre repetições e séries a realizar.
No respeitante ao treino de recuperação em campo, procuramos atingir as bases ideais dos diversos fatores que possam determinar a integração no grupo normal de trabalho.
Mais uma vez recordamos que estas fases não são de forma alguma estanques, bem pelo contrário. De acordo com o tipo de lesão e sua evolução na recuperação, poderemos associar o treino de campo ao ginásio e piscina, jamais descorando a importância duma avaliação contínua que nos irá garantir a planificação de uma metodologia a seguir. Poderemos iniciar uma metodologia em termos de resistência aeróbia, em que cujos objetivos, pelo estabelecimento do equilíbrio orgânico pelo aumento da capacidade aeróbia da fibra muscular, se poderá estabelecer as bases biofuncionais de outras capacidades, até à obtenção duma adaptação gradual das cargas crescentes de treino, iniciando esforços pouco intensos, de intensidade média ou longa duração, usando um método de observação da frequência cardíaca, esforço realizado e tempo de recuperação. Sem exemplificar os métodos de treino de maior significado, poderemos evoluir para a conquista de objetivos de maior exigência no que se refere à capacidade de efetuar esforços com dívida de oxigénio, tendo sequência adaptativa às capacidades físicas, nomeadamente da força, velocidade e flexibilidade.
Importante referir que as condicionantes técnicas sob a forma individual e coletiva em termos de jogos condicionados sob a forma simples ou competitiva deverão estar devidamente salvaguardadas no plano de recuperação. Também será imprescindível submeter o atleta em recuperação a avaliação sistemática de toda esta planificação de treino, utilizando testes simples de campo e laboratoriais, tais como o teste de consumo máximo de oxigénio (VO2 Máx.), Índice Cardíaco de Ruffier ou Ruffier-Dikson, Avaliação isocinética, Ergo-Jump, Recovery Anaerobic Sprint Test, Medidas angulares ou lineares (ex Sit and reach Test) e outros correspondentes à avaliação das competências de jogo e a utilização de inventários de competências psicológicas e mentais no sentido de obter as melhores razões para qualificar o sucesso, ou não, da evolução da recuperação do atleta em questão.
Para concluir esta já extensa temática referente às lesões, deveremos referir a importância para as competências de comunicação, devendo o responsável metodólogo utilizar algumas estratégias como incluir referências de entusiasmo nos diálogos a estabelecer, dado que, como sabemos, faz denotar um reforço de confiança, colocando em prática um conjunto de competências verbais e não verbais, nomeadamente os encorajamentos, contacto ocular direto, distância próxima, tom e ritmo de voz apelativo e expressão facial empática. As mensagens fortes inseridas nesta fase de comunicação devem fornecer algum apoio, seriedade e otimismo e aquilo que se pretende dizer esteja claramente sintonizado com um estado de alegria e entusiasmo, fazendo prevalecer o lado otimista, estimulando o lado positivo da recuperação, protegendo o atleta por um possível desânimo e sentimento de indefesa.
Como nota final, importa ainda referir que numa fase em que qualquer atleta se encontre impossibilitado de dar a sua máxima expressão físico-motora e competitiva, devemos aproveitar para melhorar de forma substancial o enquadramento do atleta no grupo de trabalho. Sabe-se que por vezes um atleta em recuperação é um homem só. Por isso dever-se-á apelar para que o jogador assista às reuniões de análise de jogo, planificação e programação de treinos, seja utilizado na observação de equipas adversárias, observe o rendimento da sua própria equipa, elaborando, contudo, alguns parâmetros bem definidos e de fácil execução. Com este tipo de funções, o atleta irá sentir-se útil ao grupo de trabalho, com naturais repercussões de motivação e entusiasmo para quem temporariamente estava fora de jogo.
Não esquecer nunca que a família e os amigos serão sempre uma fonte de apoio inesgotável. São estes que olhados com o coração e conduzidos pela seiva dos princípios que lhes dá a substância de uma relação voltam uma vez mais a renascer, medindo minuto a minuto o tempo que passa num ideal de felicidade que iluminará o próprio caminheiro de futuro.