Lesões, as piores inimigas do atleta!... (1.ª parte)
Metodólogo de Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências do Desporto; Formador de Treinadores FPF – UEFA; Docente Universitário – Universidade da Maia, José Neto escreve na Tribuna Livre, um espaço de opinião de A BOLA aberto ao exterior
Nota prévia: este tema irá necessariamente referenciar uma área de enorme complexidade para quem tem de exercer competência ao mais alto nível de exigência. Procurarei incidir em duas ou três partes o que importa ser transcrito, baseado no processo técnico científico, e sobretudo validado por uma das minhas mais ricas experiências profissionais. Neste sentido, dedico-o de forma inteira aos atletas com quem tive o privilégio de colaborar de uma forma ativa para o seu reaparecimento e que após o processo de ardor, luta e…algumas lágrimas, quando chamados à competição, voltaram a espalhar o seu talento renascido e com a garantia de que jamais foram objeto de recidiva.
Este abraço sobre o coração vai para: Jaime Magalhães, Vermelhinho, Laureta, Zé Beto, Fernando Gomes, Lima Pereira e Fernando Chalana (tanta saudade); Jaime Pacheco, Eurico, Celso, Semedo, Festas, Quim, João Pinto, Mlynarczyk, Futre, André, Frasco, Rui Barros, Paulo Alves, Castanheira, Vítor Bruno, Ni Amorim, Álvaro Magalhães, João Mário, Dimas, Tonanha, Carlos Carneiro, Gama… e tantos outros que num tempo muito mais próximo, mas cujo dever ético me impede de referir (eles sabem de quem se trata), constituíram e constituem a sintonia de uma dedicação feita de sofrimento e amor à causa, contrariando algumas opiniões que anunciavam o tão vaticinando final das suas carreiras.
Por vezes, esses críticos de ocasião infundada, nem imaginam que essa sombra convertida em inveja se transforma, quantas vezes numa força mobilizadora de entusiasmo e que pelo certificado duma experiência vivenciada em determinação e luta, faz acontecer futuro.
Ainda a anotar a nobreza de princípios e fidalguia de trato com as equipas médicas que potenciaram uma partilha de competências e que numa multiplicidade de saberes justificaram os êxitos alcançados. De referir os Drs. Espregueira Mendes e Camacho Vieira (também muita saudade), Mário Beça, Domingos Gomes, Romeu Barbosa e Novais de Carvalho, Professores Doutores João Espregueira Mendes e José Carlos Noronha e os paramédicos Vítor Hugo (ainda saudade), Diamantino e Rodolfo Moura, José Luís, Zé Mário Almeida, Luís Filipe e M. Salgado. A todos elevo a minha reconhecida gratidão e faço das pegadas da vida a cultura da minha memória onde sempre irei encontrar momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
À medida do tempo, a atividade física e desportiva tem sofrido profundas alterações no que concerne à obtenção dum resultado e o elevado grau de exigências para o conseguir.
Os atletas cada vez mais têm a consciência de que a diferença entre o ganhar e o perder se mede aos centímetros da marca, nos milésimos de segundo a cortar a meta, na bola que bate no poste e entra ou não na baliza… e é sem dúvida nesta dependência do resultado, por vezes conseguido no detalhe, que faz arrastar a maior expectativa ao nível dos comportamentos apresentados.
Acontece que o exercício físico e o desporto levado aos limites, solicita ao máximo a prestação dos músculos, tendões, ossos e articulações, originando por vezes várias patologias aos atletas.
Também não podemos ficar indiferentes às pressões existentes por parte dos treinadores, dirigentes e público adepto para a obtenção de um resultado positivo, colocando em ação atletas ditos indispensáveis e quantas vezes em risco de lesão, ou utilizando processos ultra rápidos de recuperação, ocasionando recidivas de mal maior.
A avaliação física atlética, técnica, mental e psicológica do atleta enquanto pessoa, submetido ao elevado nível de exigências do desporto que pratica e compete em alto rendimento, determina e exige perante uma possibilidade de lesão, um diagnóstico imediato. Daí ser preciso dar atenção aos aspetos que nos possam conduzir ao perfeito conhecimento da história do acidente e na qual se inclui o treino ou o jogo, a caraterização da lesão, localização da mesma, decisão da arbitragem, tratamento imediato e outras variáveis complementares como sejam as reações comportamentais do atleta que podem atestar um possível significado da lesão.
Sabemos que as lesões em traumatologia desportiva revestem basicamente dois aspetos distintos. De um lado, os acidentes traumáticos, resultantes da velocidade de movimentos forçados e dos choques; do outro lado, os pequenos traumatismos ligados à repetição exaustiva dos gestos, levando ao desgaste prematuro das articulações. O sistema esquelético e o sistema osteoarticular são os mais solicitados, pelo que a elevada percentagem de lesões se verifica a este nível, não obstante a contínua participação de outros sistemas orgânicos, principalmente cardiovascular e pulmonar.
As lesões continuam a ser as piores inimigas dos atletas, constituindo-se um dos obstáculos mais significativos ao rendimento que se pretende e exige, para poder ser bem-sucedido. Os efeitos das lesões no bem-estar psicológico dos atletas e o seu rendimento posterior são bem evidentes nos resultados alcançados. Daí se dizer que uma lesão representa não só um problema físico, mas também um desafio à manutenção emocional e ao jogo mental do atleta, como farei incidir nos artigos que prometo dar sequência.
Sem dúvida que qualquer lesão provoca danos, traduzindo em quem quer que seja um estado de espírito e de angústia na pessoa lesionada. Neste âmbito, é muito importante ter em atenção para além das reações atléticas, físicas e fisiológicas do atleta, as reações psicológicas e comportamentais do mesmo, estabelecendo-se no plano de treino de recuperação um programa de reabilitação, que seja capaz de acompanhar as vertentes enunciadas.
Neste âmbito, quem o orienta, para além de se assumir como técnico responsável, deverá ser também um amigo mais próximo, que seja capaz de dividir com o atleta o seu suor, a sua alegria, o seu saber, a sua dedicação, sem jamais esquecer a sua exigência.
Um dado de registo que importa já reter é que por estudos efetuados sabemos que o índice de lesões aumenta à medida que o número de sessões de treino e a exigência da competição também aumentam. A utilização de equipamentos inadequados e a agressividade colocada no domínio do jogo também a isso se vê determinado.
No que se refere aos fatores predisponentes e no que diz respeito aos aspetos psicológicos, regista-se a importância da inter-correlação das situações e acontecimentos de vida que têm para os atletas lesionados, sendo alguns experienciados como extremamente negativos, ou extremamente positivos por diferentes atletas, apresentando como exemplos: vida conjugal, nascimento dos filhos, morte ou acidentes graves de familiares diretos, grupo de trabalho ou equipa, mudança de clube ou treinador que do mesmo fazia parte.
Ainda a referenciar as fontes de apoio e ajuda de natureza social e emocional durante o processo de recuperação, como seja a esposa ou namorada, dos familiares mais próximos, da equipa médica, dos amigos e colegas da equipa. De registar ainda o facto de que, os atletas com maiores níveis de apoio social e emocional, admite-se uma notável e mais elevada rapidez da recuperação das lesões, experienciando ainda esses mesmos atletas menores estados de confusão, depressão, irritação e perturbação do estado de humor, demonstrando maior estado de vigor psicológico, porque uma lesão representa não só um problema físico, mas também um desafio à manutenção e ao equilíbrio emocional e mental do atleta.
Como fatores mais predisponentes para o aparecimento de lesões, poderemos enquadrá-los em três grupos:
1 - Fatores de risco intrínsecos, — relacionados com as caraterísticas do próprio indivíduo, onde podemos destacar a avaliação das contra indicações médicas; a idade e o sexo; condição física e domínio da tarefa; morfotipo e composição corporal; fatores psicológicos e sociológicos.
2 - Fatores de risco extrínsecos — relacionados com as caraterísticas do meio envolvente, onde podemos inserir as condições atmosféricas e fusos horários; o equipamento; o planeamento do treino; instalações desportivas e higiene.
3 - Fatores de risco relacionados com a atividade de prática desportiva.
De todos estes fatores e não pretendendo ser exaustivo no seu desenvolvimento, poderei deixar algumas notas de referência contextual, no sentido de reflexão e alerta.
No que se refere aos fatores mentais, a incapacidade de concentração e de descontrolo emocional, associado por vezes aos excessos de motivação no sentido de tentar colocar à prova evidências ainda não disponíveis, podem originar estados de lesões que se podem tornar de alta gravidade em termos de recidivas.
Em relação à idade e sexo, podem referir-se algumas condicionantes, em especial às crianças e jovens que estão mais predisponentes às lesões músculo esqueléticas, devido a micro traumatismos de repetição em exagero ao nível de um osso em crescimento. É necessário conhecer as potencialidades do organismo dos jovens no sentido de detetar, selecionar e orientar possíveis talentos na perseguição dos mais altos níveis de rendimento e as implicações existentes entre a idade cronológica e maturacional, salientando-se os perigos da especialização precoce, usando e abusando das cargas como se uma criança fosse um adulto em miniatura.
Em relação à mulher, deve-se estar atento às diferenças morfológicas e funcionais (massa óssea, débito cardíaco, adiposidade, etc…) e sua capacidade se adaptação à exigência física atlética.
No que se refere às condições atmosféricas e fusos horários, sabe-se que perante climas de baixas temperaturas ou temperaturas elevas por vezes associadas a altas taxas de humidade, poderá ocorrer um síndrome elevado de lesões, quer por contração espontânea do músculo, quer por desequilíbrio hidro electrolítico.
No caso das adaptações dom organismo aos fusos horários, importa anotar uma dissociação dos ritmos diários das funções psico-fisiológicas correspondentes a um dia por cada fuso. Alguns autores definem que a hora de dormir e acordar e a enquadrar a atividade intelectual e psicomotora normaliza de 1 a 5 dias, sendo necessário de 7 a 10 dias para boa capacidade de resposta às básicas exigências para o treino, demorando 2 a 3 semanas a atingir o máximo de competências para o sucesso. Alterando esta estratégia, teremos a porta aberta para possíveis estados críticos, onde a lesão espreita.
Ultrapassando o fenómeno do planeamento e periodização do treino (matéria substancialmente específica para um artigo desta natureza), terminamos referindo as condições de prática desportiva como um elemento predisponente para o aparecimento das lesões. Pisos mal tratados, irregulares e outros com dificuldade de aderência; a falta de material protetor ou uso de material inadequado; alterações sucessivas do uso de relva natural com a utilização do piso sintético; o conforto ou não pelo uso de calçado desportivo, sujeito às mais diversas incursões na absorção às cargas constantes nos deslocamentos e pelas alterações biomecânicas na execução do gesto desportivo; o uso de fibras e impermeáveis originado dificuldades respiratórias, tudo são razões a ter em conta para o aparecimento de lesões no praticante desportivo.
(continua)